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A paz da manjedoura

Miguel Debiasi

Os teólogos se perguntam sobre a violência do crucifixo. Os humildes se ajoelham em frente ao Crucificado. Os indiferentes carregam no peito a cruz como adornamento. Nas igrejas cristãs as pessoas são abençoadas com a cruz na mão. A violência do crucifixo está relacionada a tudo que se pense de Jesus Cristo. Ela está relacionada à paz da gruta de Belém. O nascimento do Menino Deus na estrebaria de animais é algo imensurável de significado, assim, com sua cruz. Em Jesus tudo está interligado.

O teólogo espanhol José Maria Castillo descreve a imagem de Jesus na cruz como algo que provoca terror, horror. Na cruz seja Jesus em sua agonia, quando pregado e morto é a maior representação das humilhações e dores humanas. O senador e historiador romano Público Cornélio Tácito (56 - 117 d.C.) descreve a imagem do Crucificado como a representação do servile supplicium, ou da punição servil. Para Castillo o crucifixo é a expressão mais brutal da violência que se pode imaginar contra Deus. O apóstolo Paulo, apresenta a morte de cruz de Cristo como “o sacrifício expiatório” (Romanos 3,25-26; 1Coríntios 15,3-5).

Jürgen Moltmann (1926), um dos principais teólogos luteranos contemporâneos, descreve a cruz como o sinal da íntima, inexprimível e extraordinária fé de Jesus, que morreu para libertar a humanidade. O filósofo e historiador o alemão Friedrich Von Schiller (1759-1805), diz que o cristianismo é a religião da cruz. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), estadista alemão do Sacro Império Romano-Germânico, declarou o cristianismo como a última religião, pelo acesso à profundeza divina do sofrimento. Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), a fé cristã precisa abandonar as tradicionais teorias da salvação que se transforam num discurso da habitualidade separando-se do ambiente do Crucificado. Na Antiguidade, a adoração e a veneração ao Crucificado era algo muito desagradável. A religião da cruz não oferecia nada estimulante, a beleza sem esplendor que anunciou o profeta (Isaías 53,2).

Moltmann diz que os primeiros cristãos precisavam se defender das acusações de irreligiositas e sacrilegium, ou da irreligião por sacrifício. A cruz era em sua dureza e crueza, uma afronta ao humano e razoável. Ela é absolutamente incomensurável na revelação de Deus. Jamais se pode tomar a cruz como um objeto corriqueiro como pretende transformá-la aqueles que desprezam os sofrimentos e as mortes humanas. A humanidade não pode ignorar o escândalo violento da cruz de Cristo. A fé cristã e o cristianismo precisam refletir sobre a cruz e a sua recepção na história da salvação, a luz do evento que lhe deu origem, a encarnação do Filho de Deus.

Quando falamos da encarnação do Filho de Deus, corremos o perigo de esquecermos os elementos que pertencem a este evento tão esperado pelo povo de Israel (Isaías 7,14). Há o risco de tratarmos apenas da humanidade de Deus. Pelo nascimento os humanos coincidem. Algo muito elementar existe no nascimento, pelo simples fato de sê-lo humano. Para Castillo há três elementos constitutivos básicos em todos os seres humanos. Os elementos são: todos os humanos somos seres vivos de carne e osso, existimos pela condição carnal ou da carnalidade. Todos os seres humanos são seres sociais, constituídos para as relações com os outros ou com alteridade. Todos os humanos são seres individuais, todos temos nossa condição, capacidade de decidir, ou seja, a liberdade.

O biblista argentino Néstor O. Míguez elaborou um argumento a favor da fonte matricial da fé cristã que é o nascimento de Jesus na estrebaria, fato acolhido pelos últimos, os excluídos, representados pelos pastores (Lucas 2,6-12). Contra a possibilidade de que ali tenha nascido um possível rei dos judeus, o rei Herodes manifesta um poder de morte na matança de inocentes em defesa das forças imperiais (Mateus 2,16-17). O evento da manjedoura torna-se perigoso ao recusar algo que está unido, associado e vinculado ao Menino, a pobreza, profetismo, cruz, Reino de Deus. No menino da gruta de Belém da Galileia se fundiu o itinerário de encontro com Deus encarnado, o Deus da cruz. Pode-se dizer que a gruta de Belém é o lugar do “nascimento da civilização”, porque somos salvos por Cristo (Efésios 2,8-9).

A paz da manjedoura foi motivo que desencadeou o ato político religioso da cruz de Cristo. A cruz, foi, com efeito, a violenta ação contra os últimos, os rejeitados da sociedade que acolheram a mensagem do Filho de Belém. Aquele que acolhe o Menino Deus recebe também o Crucificado. Os humanos pela fé são manjedouras, lugar do nascimento do amor de Cristo. São o espaço de rejeição do ódio, intolerância, preconceitos, homofobia, racismo, exclusão social e de outras cruzes (Lucas 2,34). A fé cristã ao viver novamente a paz da manjedoura, o Natal do Senhor, pode reencontrar o itinerário de superação das violentas cruzes em que milhões de brasileiros foram colocados em estado de agonia e de suplício social.   

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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