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Uma renda mínima universal

Miguel Debiasi

 

A multiplicações dos pães e peixes é possível outra vez e de maneira que o alimento chegue às mesas de todas as famílias do mundo. O gesto de Jesus de multiplicar os pães e peixes pode ser realizado pela humanidade novamente. Para isto ocorrer basta um sentimento de compaixão e vontade de colocar em comum recursos públicos e privados, e que estes cheguem as mãos dos trabalhadores e desempregados. Desse modo, o milagre da partilha será possível novamente. Isto é algo que requer vontade humana e política.

O ensinamento de Jesus de Nazaré pode ser assumido e atualizado constantemente pelos seus seguidores e pela humanidade inteira. O milagre da multiplicação do pão pode ocorrer novamente e todas as vezes que houver um faminto e uma mesa vazia. Os quatro evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João, descrevem a multiplicação dos pães e peixes realizada por Jesus saciando a grande multidão faminta e doente. O fato acontece no deserto em que Jesus tomado de compaixão curou os doentes e no final do dia não despediu a multidão, mas a alimentou com cinco pães e dois peixes. A multidão foi alimentada porque os pães e peixes foram colocados em comum e Jesus os abençoou e deu aos discípulos para distribuir para os mais de cinco mil homens (Mateus 14,13-21). A ação de Jesus é descrita pelos evangelistas à luz da história da salvação em que Deus age para saciar seu povo, como na multiplicação do azeite e do pão por parte de Eliseu (2Reis 4,1-7;42-44) e o fato do maná e das codornizes no deserto (Êxodo 16; Números 11).  

Os evangelistas descrevem o gesto de Jesus com poder ainda maior dos acontecidos do azeite e do pão do profeta Eliseu e do maná do deserto suplicado pelo povo e Moisés. A multiplicação do pão pode ser entendida com essas dádivas celestes, doações ou ofertas de Deus, desde a Antiga Aliança como uma preparação do alimento escatológico por excelência, a Eucaristia, a entrega total de Cristo. Para a teologia cristã os evangelistas sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e o discurso de Jesus a respeito do pão da vida (João 6), a multiplicação dos pães e peixes além de matar a fome biológica representa um saciar a sede espiritual da multidão. Deus sacia a fome biológica da multidão com a multiplicação do alimento e a sede espiritual pela doação total de sua vida, Cristo feito alimento na Eucaristia.

A multidão de famintos, doentes, desempregados, empobrecidos tem crescido e levado pessoas a pensarem formas de saciar a fome e socorrer a todos. Entre as muitas pessoas preocupadas e comprometidas, está o Papa Francisco, em carta enviada aos Movimentos Sociais no domingo da Páscoa, propôs o perdão das dívidas dos países pobres e apresentou uma proposta:  "Vocês, trabalhadores precários, independentes, do setor informal ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a este momento. A quarentena é insuportável para vocês. Talvez tenha chegado o momento de pensar em uma forma de renda universal de base que reconheça e dê dignidade aos pobres e insubstituíveis trabalhos que vocês desenvolvem". Os destinatários da carta de Francisco são todos/as que desejam ver multiplicado o pão e os bens para serem repartidos.  

Hoje, instituir uma renda mínima universal seria repetir o gesto da multiplicação dos pães e dos peixes que saciaria a fome da multidão desassistida dos governos e da caridade das comunidades cristãs. Segundo o Papa Francisco, é preciso criar um salário que seja capaz de “garantir e cumprir aquele slogan tão humano e cristão: nenhum trabalhador sem direitos”. Papa Francisco encoraja os Movimentos Sociais a lutarem por este direito mesmo sob desconfiança dos governos e dos grupos econômicos. Assim, como a multidão correu a Jesus para solicitar sua ajuda, os Movimentos Sociais precisam reivindicar seus direitos, em vez de resignar-se a espera de pegar algumas migalhas que caem da mesa de quem detém o poder econômico, orienta o Papa Francisco.

A proposta de uma renda universal para os pobres e abandonados é um ato profético do pontífice que alerta ao mundo para o risco da indiferença em relação aos excluídos. A proposta de Francisco é também uma provocação ao abrandamento das sanções internacionais que impedem países de proteger seus cidadãos, incluindo o cancelamento da dívida externa que pesa sobre os orçamentos dos mais pobres. Se a proposta do pontífice for aceita por alguns gestores públicos mundiais tornaria a solidariedade um valor internacional. A partilha e a solidariedade são próprias da ação dos cristãos. Com efeito, a caridade e partilha não são exclusividade da Igreja e dos cristãos, mas uma prática daqueles que sonham com uma humanidade digna e livre da fome e da miséria social. A multiplicação do pão é possível novamente, basta querer realizar este ato humanitário e cristológico.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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