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Um não maiúsculo aos ataques

Miguel Debiasi

Dia 3 de maio é comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que está em conexão com os Direitos Humanos. A data foi criada em 20 de dezembro de 1993, pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e celebra o Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Em nosso tempo, a liberdade de imprensa e Direitos Humanos têm sofrido constantes ataques por grupos extremistas.

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, fez um apelo para a maior solidariedade com os jornalistas e as pessoas da imprensa que trazem as notícias. O apelo da ONU surge para conter o fenômeno contemporâneo da desinformação, discurso de ódio e ataques mortais contra jornalistas ameaçando a liberdade de imprensa e os Direitos Humanos. A liberdade de imprensa e os Direitos Humanos são a base da democracia e da justiça. No ano de 2022 mais de 86 jornalistas foram mortos, principalmente fora das zonas de guerra. As mortes na sua maioria ocorrem quando os profissionais estavam em casa com a família.

Os ataques à liberdade de imprensa e a violação dos Direitos Humanos é propaganda que fornece um terreno fértil para quem busca semear ódio, teoria da conspiração e da polarização sociopolítica. Os meios de divulgação do ódio contra povos e etnias minoritárias é a internet com suas redes digitais sem leis regularizadoras. Os volumosos recursos econômicos que financiam as redes digitais desencadeiam uma avalanche de desinformação, propaganda, erudição e clickbait ou conteúdo enganoso, falso, abafando a imprensa e acelerando o declínio da confiança social. Sem jornalismo para fornecer notícias e informações, corrompe-se os laços cívicos. Há a erosão das normas democráticas e o enfraquecimento da confiança nas instituições e uns nos outros, tão essencial para uma ordem global.

Os ataques à imprensa, jornalistas e Direitos Humanos são provenientes da política fascista e de extrema direita que tendem a dividir a população mundial entre “eles” e “nós”, reflete o estudioso Jason Stanley. “Eles”, os que semeiam a desinformação, distorcem os conceitos como da liberdade de expressão, jornalismo, verdade e a informação, que vai contra a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. A desinformação vai contra a vida e a verdade. É um constante perigo que ameaça paz sociopolítica e promove situações de conflitos mundiais.

Em muitos casos como na Ruanda, país interior da África, em 1990, houve o conflito entre etnias os tutsi e hutu, que teria iniciado ainda no século 15, quando os tutsis invadiram a região, antes dominada pelos hutus, instaurando uma monarquia. Este conflito entre etnias diferentes que têm divergências sociais, culturais e políticas, teria sido motivado pela propaganda da desinformação, ocultando a verdade. O conflito teve como desdobramento um genocídio da etnia tutsi, totalizando em 800 mil mortos.

Nos EUA, em 2013, com as manifestações do movimento Black Lives MatterVidas Negra importam, que tiveram como estopim o assassinato de George Floyd pela polícia militar estadunidense, a discussão sobre a violência policial contra a população negra ganhou força em todo o mundo, inclusive no Brasil. É o que aponta o estudo do pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (NEAB/UFES) Washington Siqueira. A violência policial contra o negro, é uma questão social e histórica dos negros, tantos nos Estados Unidos quanto em outros países, afirma o pesquisador.

A segregação racial nos Estados Unidos se consolidou com o sistema de leis Jim Crow, que foram leis estaduais e locais que impunham a segregação racial no sul dos Estados Unidos. Essa legalização do racismo antinegro e da segregação racial nos Estados Unidos, desde 1877 até meados dos anos 60, trouxeram terror, violência e humilhação à comunidade afro-americana por mais de 70 anos no país. Por essa legalização acentuou-se as desigualdades raciais, o que acarreta em violação aos direitos da população negra até nossos dias.

O movimento Black Lives Matter - em 2013, quando foi criado por três movimentos diferentes: a Aliança Nacional das Trabalhadoras Doméstica, a Coligação Contra a Violência em Los Angeles e Ativismo pelos Direitos dos Imigrantes, na atualidade tornou-se um movimento internacional de luta contra a violência e a discriminação racial. Segundo o pesquisador Siqueira, na atualidade, apesar do discurso de neutralidade e imparcialidade da sociedade, como no Brasil, há outras políticas e leis que levam a prática de controle e de extermínio das comunidades negras.

Na análise sociológica da ONU e dos estudiosos Jason Stanley, Washington Siqueira e outros, o mundo assiste uma ascensão da política fascista que não valoriza a educação, o senso crítico e o conhecimento científico e linguístico. Em muitas Universidades e Escolas os assuntos e a problemática social relacionados as minorias como os negros, o feminismo, a política de Equidade de Gênero, a valorização da diversidade etnias e Direitos Humanos continuam sendo ignoradas e vistas de forma negativas. Há um controle dos conteúdos educacionais e uma postura contra a reflexão dessas questões sociais porque podem problematizar assuntos como valorização da nação, nacionalismo e patriotismo. 

Na omissão deste debate, Escolas, Universidades, profissionais da educação identificados com a política da extrema direita focam nas grandes conquistas do homem branco e nas ideologias neoliberais, salientando que não se permite a reflexão sobre outras ideias e alternativas para a humanidade. Quando se ignora a problemática da violência contra os negros, minorias, ataques a liberdade de imprensa e aos direitos humanos, também, acoberta-se a realidade econômica da população, os grandes índices de desemprego e pobreza, como estratégia de defender o sistema que promove desinformação, portanto, abafando a verdade.     

Essas desinformações atuam e interferem nos fatos reais, os políticos fascistas tendem a caluniar a mídia de ser comunista ou parcial. Ouve-se discursos que argumentam que a própria natureza criou hierarquias de poderes entre os povos. Os ataques à imprensa, a liberdade, a verdade, os direitos humanos, desenvolvem sentimentos negativos com relação a outros povos e outras etnias e criam-se Estados autoritários. As pessoas obcecadas pela desinformação produzem lutas de classes que prejudicam toda a humanidade, reforça hierarquias culturais, sociais e étnicas.

Como pede a ONU por mais solidariedade com os profissionais da imprensa jornalística e com a luta pelos Direitos Humanos, parece-nos viável como cristãos abraçar esse apelo e engrossar o movimento por um mundo mais informado, livre e dinamizado nas verdades comuns.


 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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