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Sem trabalho e sem auxílio emergencial

Miguel Debiasi

 

O teólogo católico alemão Karl Rahner (1904-1984) escreve que a pessoa antes de tudo ou de mais nada é espírito. A pessoa por ser espírito abre-se ao horizonte da revelação de Deus que acontece por meio da palavra humana. O cristão por ser aberto a revelação de Deus dirige uma palavra ao mundo em prol da vida das pessoas, no seu sentido pleno e abundante como afirma Paulo Apóstolo (2 Coríntios 3,6).

A teologia de Rahner propõe uma questão fundamental para ser humano: colocar-se na direção para Deus. Abrir-se para Deus não é uma questão acidental, mas a condição que faz da pessoa aquilo que é e deve ser a natureza humana, caminhar rumo a Deus. Ao colocar-se neste rumo a pessoa torna-se protagonista das obras de Deus e pela sua receptividade do dom da salvação. Olhando para a história humana é possível interrogar-se das condições históricas e materiais aplicadas para a realização do plano de Deus. Na teologia de Rahner a história permite acesso a fé, a salvação, a doutrina da Santíssima Trindade elevando o espírito do ser humano. Nesta perspectiva, a teologia tem uma palavra a ser dita sobre as condições de salvação em cada época histórica.

Neste sentido, para Rahner a essência da pessoa é ser ouvinte da palavra de Deus e ao praticá-la transmite uma realidade sobrenatural que alcança seu ponto culminante no agir histórico e no seu irreversível rumo escatológico ou da realização da salvação. No século XXI surgiram muitos problemas relativos à atuação da Igreja, como do sistema neoliberal que fecha o mundo nas muralhas da economia, que são impenetráveis e que não indagam o sentido da vida humana. A doutrinação liberal associada ao secularismo prega que cada geração é livre para pensar a vida de forma individualizada, a ponto do pensamento cristão que valoriza a coletividade perder sua influência na civilização. O pensamento econômico liberal desvaloriza as pessoas e as considera um mero instrumento de mercado, negócio e mão-de-obra descartável. Sob esta influência, milhões de pessoas tornaram-se peça de uma grande engrenagem que move o mundo e que não edifica a vida e a humanidade.

O filósofo francês Emmanuel Mounier (1905-1950) compreende o capitalismo como a subversão total da ordem econômica, ética e social. O capitalismo é a metafísica do primado do lucro. Um primado do lucro que vive de dupla forma de parasitismo: um contra a natureza, baseado no dinheiro; e outro contra o homem, baseado no trabalho. O capitalismo consagra o primado do dinheiro sobre a pessoa, do ter sobre o ser. No sistema capitalista, o dinheiro transforma-se numa tirania. O capitalismo priva o assalariado de seu lucro legítimo e defrauda regularmente o poupador através das especulações catastróficas. Fato é que mais da metade dos brasileiros em 2020 ficaram sem trabalho. Precisamente, 93 milhões de pessoas que representam 53% da população em idade de trabalhar, ficaram inativos ou desempregados em 2020, conforme dados do IBGE.

Para os jornalistas Diego Garcia e Beatriz Montesanti da Folha de S. Paulo, o mercado de trabalho do Brasil chegou ao fundo do poço em 2020. A crise econômica interrompeu o comércio, paralisou a produção industrial e brecou o setor de serviços. O país viu um fenômeno inédito: quase metade da população em idade de trabalhar literalmente parou. Nesta situação de avanço da crise econômica, o caminho para muitos brasileiros será recorrer ao famoso “bico”. Na inexistência de política econômica que gere novos postos de trabalho e com carteira assinada, o comércio, a produção e o consumo tendem a retração. As taxas de desemprego batendo recorde são reflexo que o mercado neoliberal não encontrou o caminho do crescimento e desenvolvimento econômico.

Em suma, no entendimento de Mounier a fé cristã e a Igreja com sua missão precisa alcançar as condições de justiça social, igualdade e do progresso coletivo. No pensamento de Rahner o homem é espírito quando ouve a Palavra de Deus e consegue desenvolver uma antítese a realidade injusta e excludente. Hoje, ao praticante da fé cristã, libertar-se do seu pior adversário que são as ideologias e as estruturas dominantes da sociedade burguesa, é estar no caminho e no rumo de Deus. Para o teólogo Rahner e o filósofo Mounier, o cristão em virtudes da fé em Deus opõe-se a qualquer sistema injusto e desse modo difere pela justiça e pela conduta ética. O tempo e o contexto  exigem verdadeiros cristãos.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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