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O êxodo brasileiro

Miguel Debiasi

 

O sacerdote e teólogo inglês, o santo John Henry Newmann (1801-1890) escreve que “os estreitos de espírito não veem dificuldade em coisa alguma”. O campo do conhecimento para um ser humano não deveria ser estreito, mas imensamente vasto. A condição para o ser humano interagir com os outros e com a sociedade exige uma sabedoria de espírito. A busca pelo saber e conhecimento parece-nos ser uma tarefa de nosso tempo.

A modernidade semeou o sonho e a ideia que entramos para a era do conhecimento. Com conhecimento nos conectamos ao mundo moderno que com sua capacidade criativa inventa signos, programas, processa imensuráveis informações armazenadas em computadores. Há um reinado dos computadores e o ícone que representa esse tempo: são os sites e outra numerosa prole de similares. No reinado dos computadores impõe-se a permanente necessidade de conhecimento e de conexões. Pelo computador relações humanas são constituídas na velocidade instantânea da internet. Redes de estudos e de pesquisa são constituídas entre pessoas de todos continentes dispondo simultaneamente saberes e conhecimentos. Enfim, moderno é estar conectado a máquina computador constantemente.  

O sacerdote e teólogo jesuíta João Batista Libanio vê a sociedade moderna em que gênios e artistas se misturam. Inovações e habilidades tecnológicas triunfam sobre silenciosos estudos acadêmicos. Impera o mundo eletrônico sob diversos cognomes. O exercício da economia e da política submete-se à ordem do mercado. As eleições são definidas pelo corporativismo da mídia comercial. O político vale pela imagem que projeta na cultura midiática. A democracia é imaginação e figurante do jogo midiático. O Estado míngua pela supremacia dos interesses do mercado sobre as necessidades do povo. Os que têm acesso à mídia se impõem. O resto permanece no silêncio da preferida midiática. A sociedade moderna é dos vitoriosos que precisam dos vencidos. Os vencidos são docilmente submetidos à condição de objetos manipulados e impossibilitados de conhecimento crítico.

A jornalista judia Hannah Arendt que acompanhou em Jerusalém o processo contra o nazista Otto Adolf Eichmann (1906-1962), acusado de participar do  extermínio de judeus na câmara de gás, chegou a uma conclusão resumida numa frase: “ele não pensa”. Na tese de Hannah o mal entra na pessoa pela incapacidade de pensar, de julgar, o que vale dizer, não ter conhecimento. A falta de conhecimento está relacionada à incapacidade de pensar. Grande parte dos problemas da humanidade é fruto da incapacidade de pensar e julgar corretamente. Ocupar-se em fabricar bombas atômicas e armas nucleares que podem levar ao extermínio da população mundial e do planeta terra mostra uma incapacidade de seus inventores de pensar de forma correta. Com frequência somos surpreendidos por atos de violência que reproduzem na realidade as cenas cinematográficas. Pessoas que entram nas escolas, igrejas e lugares públicos metralhando inúmeras pessoas é fato que se tem repetido com frequência. Todo aquele que pratica o mal tem conhecimento do malfeito, mas foi incapaz de pensar sabiamente.

Conforme levantamento do Ministério de Relações Exteriores, o número de brasileiros que buscaram outros países saltou de 1,9 milhão em 2012 para 4,2 milhões em 2020. As razões do êxodo brasileiro são as poucas oportunidades internas de trabalho. O êxodo brasileiro é um fenômeno sem precedentes, hoje chega a 2% da população que vive em território estrangeiro. O professor na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em análises sociais, Pedro Brites diz que “esse movimento de saída de brasileiros nos últimos anos é inédito e, de fato, representa a maior disporá da história brasileira”.

O êxodo brasileiro merece estudo. Ele vai na contramão da história do Brasil. Na narrativa oficial da história o Brasil foi construído, desde a colonização portuguesa em 1500, por levas e levas de imigrantes de várias partes do mundo. O atual momento indica uma virada de maré, como se o país que sempre recebeu agora tivesse se tornado um exportador de gente. O sociólogo Rogério Baptistini Mendes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, diz: "O Brasil passou a ser um lugar de onde as pessoas saem. Isso significa que a sociedade de afluência que aqui se formou está extinta".

 

O êxodo brasileiro interroga-nos aprender a conhecer e a pensar nas causas deste fenômeno adverso a história do Brasil. Aprender a conhecer e a pensar é diferente de receber informação e notícia. É um aprendizado. Algo que exige outro gênero de registro mental, que transcende o acumular conhecimento. Conhecer não visa diretamente à obtenção de conhecimento, mas a prática do pensar a realidade tal como é com consciência crítica. Na junção conhecer- pensar é analisar a história e comunicar suas significações permitindo que pessoas, grupos e comunidades se libertem de tudo que transmite opressão, submissão, resignação. No caso, conhecer-pensar o êxodo brasileiro é analisar o alcance das atuais políticas econômicas, anunciar reações e iluminar ações e opções futuras. Numa análise geral, o êxodo brasileiro é fruto das políticas econômicas implantadas no Brasil que são contrárias a geração de emprego e postos de trabalhos. Na prática, a atual política econômica concentra capital e não investe em novos setores de produção, indústria, pesquisa, serviços, agricultura e outros. Nessa lógica, intensifica-se o êxodo, milhares de jovens deixaram seus familiares em busca de oportunidades em terra estrangeira e desconhecida. Este êxodo pode ser revertido com políticas econômicas voltadas ao povo, para tanto, é necessário um governo que conheça e saiba fazer diferente.           

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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