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Essa lógica não é a Deus

Miguel Debiasi

Uma sociedade justa continuará sendo tema de análise, de reflexão e de desafios. Para a sociologia viver em sociedade é preciso acatar algumas condições como: adaptar-se as regras, normas e leis comuns, assumir valores éticos básicos, respeitar os direitos, crenças e as diferenças. Salvo estas condições qualquer indivíduo pode se considerar um bom cidadão. Entretanto, os filósofos perguntam: o que é uma sociedade justa?

O debate sobre a justiça atravessa toda a história da filosofia política. Os importantes filósofos gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles contribuíram muito nesse debate. Posteriormente, contribuíram com suas ideias os filósofos Locke, Rousseau, Kant, Hegel, Rawls e muitos outros. A justiça possui uma importância formativa e prática para os cidadãos, uma vez que a sociedade é constituída de todos os membros e estes precisam responder à pergunta: o que é uma sociedade justa?

Na Antiga Grécia, Sócrates, Platão e Aristóteles compreenderam o ser humano como um ser civil que por natureza é levado a viver em sociedade. À luz dessa ideia pensaram a política, a educação, a cidadania, a economia, tendo em vista a sociedade justa, ou a cidade-Estado ideal, condição indispensável para a existência humana. Concluíram que a Pólis ou a cidade-Estado ideal é um organismo vivo, cujo fim é assegurar as necessidades materiais para a sobrevivência do homem, tendo uma vida intelectual-cultural e social qualificada.

Para estes pensadores, a educação e a formação humana ajudam alcançar a sociedade do bem-comum. As funções do legislador da cidade-Estado é ser guia para os cidadãos desenvolverem capacidades intelectuais e a prática das virtudes. Cabe ao legislador ocupar-se com a educação dos jovens; estabelecer leis que promovam a educação, a moral e vida política em prol de uma cidade-Estado ideal. Na prática, desenvolver na dimensão intelectual dos jovens a sabedoria, inteligência, bom-senso, justiça. E na dimensão moral, a generosidade e temperança. Em suma, a cidadania e a sociedade justa são produtos e qualidade da alma adquirida com atividades e esforço educacionais.

Filósofos posteriores também se ocuparam com essa questão: o que é uma sociedade justa? Karl Marx e os marxistas, pensam a sociedade a partir da divisão de classes sociais. As classes sociais são grupos de indivíduos que vivem uma posição similar às relações de produção, sejam os proprietários dos meios de produção, sejam os que vendem sua força de trabalho. A sociedade é organizada pela estrutura de classes sociais ou pelos antagonismos entre elas.

Para o filósofo alemão Hegel a sociedade está dividida em três classes sociais: substancial, industrial e universal. Entretanto, o filósofo não as concebe como antagônicas ou contraditórias entre si. As classes sociais fazem parte de um todo em que uma depende da outra para sua existência e para o bem coletivo.

O filósofo estadunidense John Rawls elaborou uma teoria da justiça muito pertinente. Rawls inicia com uma pergunta fundamental: como evitar que nossas ideias sobre justiça sejam influenciadas por nossa posição social? A imparcialidade é fundamental, pois, muitas vezes as opiniões são contaminadas por uma posição social, condição econômica e outras desigualdades individuais. Um rico pode pensar o Estado e a sociedade a partir de seus projetos. O pobre pode pensar da mesma forma, a partir da sua posição social.

Rawls pergunta: como pensar a justiça de forma imparcial? Uma das representações mais comuns da justiça é a imagem da deusa Têmis com uma venda nos olhos e uma balança nas mãos. A balança com os pratos na mesma posição simboliza a igualdade no julgamento e na atribuição das punições. A venda nos olhos representa a imparcialidade da justiça. Para Rawls pensarmos o que é uma sociedade justa, deveríamos fazer o mesmo, nos imaginando por trás do que chamou de véu de ignorância.

O conceito véu de ignorância é um dos temas mais importantes na teoria da justiça de Rawls. Segundo o pensador, é uma ideia que possibilita que pensemos de maneira imparcial. Esse véu como uma venda que, ao invés de impedir que enxerguemos o que está em nossa frente, impede que saibamos quem somos. Nessa condição em que nos imaginamos com um véu de ignorância, já não sabemos se somos negros ou brancos, ricos ou pobres, homens ou mulheres, pardo, indígena, judeu, hétero, homo, transexual e outros. Quando uma pessoa ignora isso pode se tornar imparcial, capaz de pensar a justiça com imparcialidade.

Em suma, na filosofia política a justiça é escolher o justo e pensar o que seja melhor para si e para os outros, ou para a sociedade na sua totalidade. Os princípios básicos de uma sociedade justa incluem direitos e deveres as pessoas, distribuição da riqueza e governo guia. Dados da pesquisa Fundação Getúlio Vargas mostram que entre os 15 mil brasileiros mais ricos, possuem um patrimônio médio de R$ 151 milhões.

Os dados FGV levaram especialistas a alertarem que a crescente concentração de riqueza impacta negativamente na economia, afetando o crescimento sustentável e a estabilidade social. A grande desigualdade social e econômica no Brasil provoca a retirada de oportunidades e acesso a serviços básicos para a parcela mais pobre da população. Nessa lógica, o Brasil pode perpetuar um ciclo de desigualdades e dificultar a mobilização social, a impossibilidade de ser uma sociedade justa.

Rawls afirma em sua teoria da justiça que a diferença de riqueza só é justa na medida em que beneficie os menos favorecidos. Para Jesus Cristo e seu Evangelho, a sociedade só é justa quando não permite o crescimento das desigualdades, humanas, sociais, econômicas, culturais (Mateus 19,21). A lógica de Deus é outra, oposta a lógica das desigualdades econômicas e sociais.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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