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A parusia e sua paródia

Vanildo Luiz Zugno

Páscoa vem chegando. Mesmo em meio à pandemia, coelhos e chocolates aparecem aqui e ali. Mas não vou falar da páscoa do comércio. Vou falar da Páscoa de Jesus Cristo, a verdadeira, a que ainda não foi sequestrada pelo mercado. A Páscoa da Semana Santa que abre com o Domingo de Ramos. Uma bela festa. A Festa da Parusia. Sim. Esse é o verdadeiro nome. Hoje o aportuguesamos. Dizemos “entrada triunfal”. Pois em grego, a língua em que foram escritos os evangelhos, “entrada triunfal” se dizia “parusia”.

Na época, no grego popular, a palavra era usada para designar a chegada do imperador em alguma cidade. Era um evento e tanto. César era considerado um mito, um deus. Nas suas viagens, a divindade o acompanhava e tinha que ser devidamente reverenciada por onde passava. Era anunciado com antemão, a estrada por onde passaria era aplainada, limpa, ornamentada e bem guarnecida para que nenhum perigo pudesse ameaçar sua majestade. Os imperadores romanos, como todos os tiranos, imaginavam que por onde quer que andassem, poderia haver inimigos de tocaia para atacá-los. A tirania é sempre paranoica...

No dia em que o rei se aproximava, todos os homens eram obrigados a postar-se à entrada da cidade para saudar o chegante. As muralhas eram ornadas com panos brancos e, se houvesse, vermelhos, para saudar a divindade viva. E ai daquele que não gritasse vivas ao rei. O grito tinha que ser alegre, caso contrário, a espada ou a lança do soldado fá-lo-ia gritar de dor ou dar seu último grito de agonia. Aplaudir o imperador era uma obrigação, nem que fosse sob coação. Mulheres e crianças ficavam dentro de casa, espiando pelas frestas das janelas para ver o rei ou para ver se seus esposos e filhos tinham sobrevivido à parusia.

Jerusalém, a cidade para a qual Jesus se dirigia, também tinha a sua parusia. Não era a do Imperador Romano. Jerusalém ficava tão longe de Roma que o César a conhecia apenas por sua má fama. Quem fazia sua parusia anual na Cidade Sagrada era Herodes Antipas, alcunhado de “O Pequeno”. Na véspera de cada Páscoa, Herodes, montado em seu cavalo branco, saia da fortaleza de Cesareia e, com sua milícia de legionários, subia a Jerusalém. E, como todo tiranete de quinta categoria, gostava de receber honras semelhantes ao tirano máximo. Ele obrigava a cidade de Jerusalém a preparar-lhe uma entrada triunfal. E os grandes da cidade, para agradar o pequeno ditador, obrigavam todo o povo àquela representação de subserviência. A estrada era enfeitada, as muralhas adornadas e os homens perfilados para serem devidamente humilhados pelos milicianos romanos.

Jesus sabia que isso iria acontecer naqueles dias. Todo judeu sabia. E todo judeu odiava esse dia em que Herodes Antipas entrava em Jerusalém pela porta do Ocidente para dar segurança e tornar a Páscoa impura.

Jesus desobedece. Não vai fazer reverências ao militar romano. Vai ao Monte das Oliveiras e, dali, com seus discípulos, mulheres e crianças, entra na Cidade Santa. Não há panos brancos e vermelhos para saudá-lo. Apenas palmas e flores do campo. Nenhum militar o acompanha. Vai montado num inofensivo jumento. Não entra pela porta principal. Entra pelo Leste, pela porta dos fundos. Para todo judeu, aquilo era claro: Jesus fazia uma paródia informal da parusia oficial. Todos entendem e, entrando na brincadeira, o aclamam como “Rei dos Judeus”. Um rei não como César e seu títere Herodes. Um verdadeiro rei. Um rei como Davi, o libertador.

Os fariseus também entendem e pedem que Jesus mande calar os discípulos e a multidão. Jesus não manda. Deixa que o povo cante, ria, dance. Entra em Jerusalém e a confusão se arma. E a história todos sabemos como terminou... Os poderosos não gostam de paródias. Especialmente quando satirizam seu obsceno poder e expõem o ridículo papel dos testas de ferro que oprimem o povo em nome de interesses alheios.

O humor é perigoso. Ele desmascara o poder. Ao provocar o riso, faz com que caiam as máscaras e as faces se exponham em sua grandeza ou mediocridade. Jesus sabia disso. Hoje também o sabemos. Por isso, mesmo na dor, não podemos deixar de viver com humor. Ele faz parte do dom maior que é o Amor, a cidade onde todos queremos habitar.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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