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A felicidade é vegetal

Gislaine Marins

A felicidade se parece com a inércia vegetal. Não podemos ser felizes com o instinto animal que se defende mostrando os dentes ou foge diante da ameaça. Não podemos ser felizes com a consciência humana dos nossos erros, dos nossos problemas e da nossa impotência. Não podemos ser felizes com a força incontrolável da natureza, que nos concede o bem como nos castiga sem piedade. Podemos aprender com a inércia das plantas: a felicidade é cíclica, hiberna, germina, explode em infinitas cores. Depois se recolhe novamente, apodrece, renasce.
Contra a beleza da flor pode agir apenas a fúria do vento e a tesoura do jardineiro. Contra o perfume do alecrim pode agir apenas a seca implacável e os incêndios. A floresta pode ser atacada pela ganância humana e pelo desmatamento.
Mas depois do temporal o verde retorna mais verde, as cores voltam a ser mais coloridas, os perfumes tornam-se mais intensos. Depois da destruição, as plantas são as primeiras a dar sinal de vida.
É preciso um esforço metamórfico para encontrar dentro do nosso corpo o silêncio das plantas, que acolhe a tenacidade das raízes na terra escura. É preciso despojar-se das amarras intelectuais como as árvores que se despedem das folhas para chegar à essência e sobreviver ao inverno. É preciso esquecer a dor para recompor as marcas de agressão no tronco e fazer brotar novos ramos onde se buscava a ferida mortal. É preciso sentir o peito batendo, que significa vida, não alerta de morte. 
É preciso viver a nossa natureza vegetal, essa sintonia que nos faz perceber que somos parte do ecossistema e não donos dele. É preciso agregar esses valores que aliviam o peso dos nossos equívocos e das nossas certezas. É preciso ter a humildade dos sistemas simples,  da beleza geométrica e frágil da flora. É preciso aprender a usar a bússola dos girassóis e deixar-se guiar pela luz e pelo calor. É preciso ter uma reserva de felicidade vegetal para combater o animal que somos e que deixamos emergir com a irracionalidade que dizemos controlar. 
É preciso aprender com as flores na primavera, com os cactus no deserto, com os pinheiros no inverno, com os plátanos no outono. É preciso saber que as dificuldades se vencem com o sorriso, com a felicidade, ainda que efêmera.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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