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Os agricultores europeus tomam as ruas

Miguel Debiasi

A longos séculos que a Europa é o centro de referência. Crescemos ouvindo as melhores menções da Europa, apresentada como o protótipo e espelho de uma sociedade justa e bem organizada. Em contrapartida foi nos dito que os problemas econômicos, desigualdades sociais, pobreza é realidade do terceiro mundo. Algo vem mudando, a Europa.

Deixando para trás a visão ingênua, a Europa vive como qualquer outro continente mergulhada em problemas de toda ordem social, econômica e política. Em 2024 os agricultores europeus tomaram os centros das grandes capitais para protestarem contra a política econômica da União Europeia (UE).

Em janeiro e fevereiro, em Berna, Suíça, tratores se transformaram em barricadas e milhares de agricultores saíram às ruas e bloquearam estradas. Na Alemanha, França, Bélgica, Romênia, Polônia, Itália, Espanha, Portugal, as autoridades viram o campo avançar sobre as capitais em pé de guerra. As organizações rurais italianas fizeram o “cerco a Roma” e os franceses o “cerco de Paris”. Na Alemanha os agricultores bloquearam rodovias e fecharam estradas de acesso a vários portos e a outros países, como a Baixa Saxônia.

Segundo o jornal Le Monde (O Mundo), um militante agrícola afirmou: “O cerco a Paris é uma ação simbólica. Tudo está organizado milimetricamente e não aceitamos nenhum transbordamento. Sabemos quando começa, mas não sabemos quando vai acabar”. Os fatos mostraram que os protestos se intensificaram com bloqueios de rodovias, estradas e centros das cidades.

Por quais fatores os agricultores europeus foram às ruas? Por que o campo da Europa explode? As reivindicações dos agricultores europeus respingam na política agrícola do terceiro mundo? A respostas a essas perguntas não é uma coisa tão simples de entendermos.

As causas dos protestos dos agricultores europeus são múltiplas, em grande medida são de natureza interna ou nacionais e outras de dimensão externa, geradas pelo livre mercado liberal. Os decisivos fatores que levaram os agricultores ao protesto referem-se à política nacional como: dos insuficientes recursos para financiamento para agricultura; fim de subsídios para diesel; impostos elevados nos insumos agrícolas que impedem uma condição favorável para competir com o mercado liberal; e a distribuição e vendas de produtos agrícolas da Ucrânia.

A guerra na Ucrânia provocou um efeito dominó em toda a Europa. Em resposta ao bloqueio das rotas comerciais através da região do Mar Negro, um resultado esperado dessa guerra, a UE levantou temporariamente as restrições às importações da Ucrânia. Essa medida resultou que produtos agrícolas ucranianos inundaram os mercados da UE a preços muito mais baixos, principalmente para os países vizinhos Hungria, Polônia e Romênia.

Segundo os analistas internacionais, após abertura ao mercado ucraniano, a UE demorou para perceber o descontentamento dos seus próprios Estados-membros e não apresentou uma política consistente para seus agricultores. As poucas medidas protecionistas nacionais não surturam efeitos positivos para os países afetados.

Para frear a problemática, os países do Leste Europeu exigem que a UE reveja urgentemente suas medidas de liberação comercial com a Ucrânia. Na Romênia os agricultores e transportadores foram às ruas protestando contra o elevado preço do diesel, o aumento das taxas de seguro e exigindo medidas contra a concorrência desleal da Ucrânia.

Os agricultores poloneses lançaram um protesto nacional contra as importações agrícolas da Ucrânia. Na BBC News Britânica, um líder agrícola em poucas palavras descreve em que se constitui o problema dos agricultores europeus: “O grão ucraniano deve ir para onde corresponde: para os mercados asiáticos ou africanos”. Como disse o repórter da BBC: “Sentimento semelhante também existe na Eslováquia e na Hungria”.

A guerra russo-ucraniana impactou diretamente no aumento dos preços dos combustíveis, insumos agrícolas como adubos. No setor agropecuário a crise agravou-se com a medida do governo nacional de suspender os subsídios ao diesel do campo. A Coordenação Europeia da Via Campesina (CEVC), principal organismo de articulação dos pequenos e médios produtores agropecuários, exige a rejeição de acordos de livre comércio.

Um membro da Coordenação Europeia da Via Campesina (CEVC) diz que a UE precisa mudar o rumo das políticas agrícolas e alimentares europeias: “É hora de pôr fim aos acordos de livre comércio e embarcar resolutamente no caminho para soberania alimentar”. A Comissão Europeia em face à crise no setor agropecuário, pressionada decretou 63 medidas excepcionais a favor dos agricultores e pecuaristas, mas as organizações de pequenos e médios produtores as consideram insuficientes.

Os agricultores europeus estão em processo de endividamento e vão às ruas exigindo preços justos para que possam concorrer com os produtos importados. Um membro da Via Campesina disse: “Os nossos rendimentos dependem dos preços agrícolas e é inaceitável que estes estejam sujeitos à especulação financeira”. E reclama por políticas agrícolas: “baseadas na regulação do mercado, com preços que cubram os custos de produção”.

Outra reivindicação dos agricultores europeus é de um orçamento nacional justo “que permita a redistribuição dos subsídios da Política Agrícola Comum (PAC) para apoiar a transição para um modelo agrícola capaz de enfrentar os desafios da crise climática e da biodiversidade”. E denunciam que “é inaceitável que, na atual PAC, uma minoria de grandes empresas agrícolas receba centenas de milhares de euros em ajuda pública, enquanto a minoria dos agricultores europeus recebe pouco ou nenhuma ajuda”.

Pela gravidade do problema, o grito dos produtores agrícolas da Europa não tem prazo de término. Os protestos impactam diretamente nos países do terceiro mundo, propriamente, na produção e nas exportações de produtos, como soja, milho, cereais e carnes. Isto significa que os agricultores europeus se opõem radicalmente contra os tratados Europa-Mercosul.

Enfim, os agricultores europeus reféns do livre comércio liberal não suportam uma queda nas vendas dos seus produtos agrícolas, levando-os ao endividamento. Ainda que o tempo tenha a voz da razão, mas tudo indica que os acordos Mercosul-Europa serão os mínimos possíveis ou somente os viáveis para os Estados-membros da União Europeia. A história mostra que a Europa não é derrotada tão facilmente.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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