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O silêncio dos inocentes

Vanildo Luiz Zugno

 

Minha intenção inicial para este texto não era para falar do filme de Jonatham Demme que, em 1991, depois de dar ao seu diretor o Urso de Prata no Festival de Berlim e várias indicações para o Globo de Ouro, foi consagrado com cincos prêmios Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator e Melhor Atriz. Um feito inédito para um filme de terror. O sucesso de crítica, público e financeiro foi tanto que gerou uma franquia que continuou a explorar o horror despertado em cada um de nós pelo Doutor Hannibal Lecter, o psiquiatra canibal.

Anthony Hopkins no papel de Hannibal Lecter e Jodie Foster fazendo a jovem investigadora do FBI Clarice Starling são, sem dúvida, os destaques do elenco. Mas o filme não teria chegado a tal êxito não fosse a fantástica trilha sonora executada pela Orquestra Sinfônica de Munique e a história original do livro homônimo de Thomas Harris.

A trama elaborada por Harris e inteligentemente adaptada pelo roteirista Ted Tally para a linguagem cinematográfica explora a tensa relação entre uma aprendiz de policial ansiosa por firmar-se na carreira e um assassino psicopata que vê nesse encontro a possibilidade de livrar-se da cadeia e voltar a seu mórbido prazer de alimentar-se das vítimas de seus crimes.

Como vocês veem, acabei falando do filme mais do que eu queria. Não consegui interromper minhas divagações. Não sai da minha cabeça a possibilidade de O Silêncio dos Inocentes ser uma metáfora do que vive nossa sociedade brasileira que tenta acabar com criminosos insanos utilizando o savoir faire de insanos assassinos. Ao tentar arrancar do psicopata prisioneiro informações que a levem ao seria killer Buffalo Bill, Clarice entrega a ele seus mais íntimos segredos e Hannibal se torna senhor de sua alma. Qualquer semelhança com o que está acontecendo hoje no Brasil não é mera coincidência. Como diz o poeta, muitas vezes “a vida imita o filme” e, no espelho ficcional de O Silêncio dos Inocentes, vemos uma nação que entregou sua alma não a um, mas a um bando de psicopatas que só pensam no prazer sádico de ver sangue jorrando e alimentar-se dos despojos de suas vítimas.

Na Favela do Jacarezinho, foram vinte nove as vítimas que padeceram na sórdida disputa de poder entre milicianos e o Supremo Tribunal Federal que havia impedido a realização de operações policiais nas favelas. Inocentes ou culpados - ninguém pode ser condenado e executado antes de passar pelo devido julgamento – traficantes, moradores e o policial, todos foram sacrificados como cordeiros (no original, tanto o livro como o filme se chama O silêncio dos cordeiros) no altar do terror que sustenta a desigualdade social.

No país inteiro, já estamos quase alcançando as 500 mil vítimas da opção pelo envenenamento precoce da população e da recusa em adquirir o único medicamente comprovadamente eficaz contra a Covid19, as vacinas. O que antes era suspeita, agora, na CPI do Senado, é comprovado sob a luz dos holofotes midiáticos: milhares de inocentes foram sacrificados pela necropolítica dos que pensávamos podiam nos revelar os segredos para acabar com os perigos que ameaçavam o Brasil.

No final do filme, o serial killer Buffalo Bill é morto por Clarice numa sequência de perseguição das mais fantásticas já produzidas pelo cinema. Mas a esperada tranquilidade não chega para Clarice. Na confusão, Hannibal Lecter foge e, desde uma ilha distante, telefona para a policial e lhe faz a pergunta que turba o inconsciente da agora formada e festejada policial: “Bem, Clarice, os cordeiros pararam de gritar?”

Alice se cala. Ela não responde. Ela sabe que os cordeiros inocentes só se calam quando o perigo se afasta ou quando estão mortos. E, com Hannibal solto, as duas possibilidades estão abertas. Para que os cordeiros estejam em segurança, é preciso prender o assassino psicopata. Ou o silêncio continuará sendo um silêncio carregado de morte. É o dilema que vivemos no Brasil.

Se você teve a paciência de nos acompanhar até aqui, fica a sugestão: assista (de novo, caso já o tenha feito), ao clássico O Silêncio dos Inocentes. Está disponível numa das populares plataformas de streaming. E pense-o como uma metáfora do Brasil. Você se assustará com Hannibal Lecter e Buffalo Bill. Mas, o verdadeiro perigo, observe bem, está na Clarice Starling. Confira e, depois, me diga se sim ou se não.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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