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O Palácio do Rei

Gislaine Marins

O Palácio Real de Caserta é simplesmente deslumbrante. Começa pelas dimensões arquitetônicas. O rei Carlos III da Espanha queria rivalizar com o esplendor do Palácio de Versalhes ao encomendar a obra, que acabou servindo como residência de verão na Itália para a família real.
Um dia inteiro não basta para visitar a propriedade. Depois de visitar o edifício principal, o turista pode circular pelos jardins, que estão entre os espaços mais conhecidos deste patrimônio da humanidade.
Este palácio tão bonito, entretanto, já conheceu dias piores. Anos atrás encontrava-se em estado de abandono por falta de verbas para a sua manutenção. Quando fui visitá-lo, agora que recuperou toda a sua beleza, fiquei espantada por pagar apenas sete euros pelo ingresso. O monumento vale muito mais.
A organização é impecável. A visita aos jardins pode ser feita a pé, de bicicleta, de carroça ou de van. A presença de meios de transporte é um sinal para os visitantes de que o  percurso a fazer é longo. Ao todo, nas minhas idas e vindas pelos caminhos dos jardins, percorri doze quilômetros. O prêmio do visitante ao terminar a caminhada pontilhada por piscinas de água natural, chafarizes e pequenas áreas para descanso ornamentadas com estátuas, é alcançar a cascata que alimenta todo o complexo das águas. O fluxo abundante alimenta o primeiro chafariz ornamental e oferece uma visão panorâmica capaz de sugerir o poder que a família real espanhola tinha alcançado na época.
A grandiosidade do local poderia ficar nisso, mas vai além. A propriedade ainda possui um jardim de inverno, um oásis onde podem viver livremente animais da fauna nativa e um jardim inglês, que revela o gosto estético do homem ao reinventar a natureza. Este jardim é uma surpresa quando achamos que já nos surpreendemos com tudo. Foi lá que tirei a foto enviada depois para os meus amigos com um comentário sobre as impressões do dia. Era uma árvore cortada quase pela raiz, onde voltava a brotar um raminho verde. Para mim, parecia inacreditável.
Eu sei uma coisa: nenhum guia turístico irá falar dessa árvore e mostrar essa foto que fiz. É que eu não tenho talento para promover monumentos. Em compensação desenvolvi habilidades para encontrar borboletas entre as folhas, capturar o ritmo das carpas dentro da água e observar o salto dos esquilos.
Nem sempre foi assim. Quando cheguei a Roma dizia que o que mais me fazia falta era o verde. Enxergava apenas o ocre dos muros e dos edifícios, o branco do mármore e o cinza dos paralelepípedos. Um dia, diante da minha insistência em negar que havia árvores na cidade, levaram-me à janela: a rua era arborizada. Perplexa diante da minha própria cegueira disse: é que estou acostumada com árvores muito maiores e com outras tonalidades de verde.
Passei a observar melhor e descobri coisas maravilhosas. Ganhei um país.
Talvez tenha perdido o meu reino. Talvez tenha ganho outro. Talvez eu já não pertença a lugar nenhum. Mas não por minha vontade: é que o mundo é feito de passaportes e paisagens confinadas, ainda que as florestas não saibam disso. Trocaria meus documentos por uma planta: o direito de ter um bosque repleto de ar puro. O ar também não conhece fronteiras.
E o rei? Bem, o rei Carlos III nunca chegou a aproveitar a propriedade que sonhara e encomendara. Ficou para o filho.
Eu sou como uma rainha, muito mais ambiciosa que o soberano espanhol. Quero deixar ao meu filho ar puro, e florestas, e águas, e um mundo sem fronteiras. A minha esperança é tão grande que chego a ver o meu grande palácio num toco de árvore com um raminho verde que desafia as probabilidades da vida. Os sonhos também não conhecem limites.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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