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O Brasil sente fome

Miguel Debiasi

 

A Organização das Nações Unidas (ONU) tem como meta até 2030: “Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover uma agricultura sustentável”. Em 2021 o Brasil retornou para o Mapa da Fome e o fato leva-nos a uma pergunta: quais são as causas da fome no Brasil? O texto base da Campanha da Fraternidade de 2023 apresenta as causas com informações bem argumentadas.

A Campanha da Fraternidade que inicia em tempo quaresmal não é um exercício espiritual piedoso. Ela não se confunde e nem substitui a prática espiritual dos cristãos que intensificam na quaresma a oração, jejum e a esmola. A Campanha da Fraternidade, tem outro objetivo, o qual contribui imensamente com a vida quaresmal, como fortalecer à luz da leitura da Palavra de Deus a consciência cristã libertadora, o processo de conversão humana e coletiva e a práxis da fé em dimensão social.

A Campanha da Fraternidade propõe reflexão da problemática social - da fome – e que seja abordada mediante o maior envolvimento dos cristãos, comunidades e grupos eclesiais, instituições e associações civis, segmentos e organizações populares. A abordagem da problemática da fome à luz do Evangelho espera transformações espirituais, sociais, político-econômicas e ecológicas, coerente com projeto do Reino de Deus.

Os números da fome no Brasil são preocupantes e vergonhosos. Em abril de 2022, apenas 41,3% dos domicílios tinham seus moradores em Segurança Alimentar (SA). O restante, 58,1% viviam em algum nível de Insegurança Alimentar (IA), destes 15,5% conviviam com a fome. A situação em números absolutos, significa que do total de 217,7 milhões de pessoas, 125,2 milhões convivem com alguma Insegurança Alimentar. Em estado de insegurança grave estão 33 milhões de pessoas ou 15% da população passa fome diariamente. É como se todos os habitantes das setes maiores cidades do Brasil – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte e Manaus, todos passassem fome.

As causas que levaram o Brasil para o Mapa da Fome, são claras. Os fatores climáticos, as guerras, epidemias, desastres naturais de todas as espécies, por mais impacto que causem, estão longe de serem os responsáveis pela situação de fome. Uma das primeiras causas da fome no Brasil é a sua estrutura fundiária. Pensando na grande produção e exportação, a terra foi mal distribuída e de maneira irregular por meio dos estabelecimentos latifundiários. Nos países europeus, as terras foram divididas em pequenas áreas para a produção familiar e o consumo local. A política agrícola do Brasil coloca o sistema produtivo a serviço do sistema econômico-financeiro, incentivador do agronegócio exportador, que favorece os interesses do mercado internacional. No Brasil não se produz para comer, mas para exportar. Em produção de alimentos somos o chamado “o celeiro do mundo”, enquanto a fome assola as áreas rurais e suburbanas do país. A política agrícola tem contribuído para um retrocesso significativo no combate à fome no Brasil.

A crise econômica e a precarização da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), tem contribuído para o aumento do desemprego e subemprego, ou trabalho informal, sem as necessárias seguranças institucionais. Essa é outra causa pelo aumento da fome no Brasil. A expectativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), é que em 2023 o Brasil terá 14 milhões de desempregados. Para a superação dessa situação será preciso não só matar a fome, mas emancipar o faminto com trabalho e emprego digno. Hoje 24% da população não consegue trabalho.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) outro fator da fome no Brasil é a perversidade da política salarial: o país agroexportador vive com um mercado interno limitado pela miséria. A Insegurança Alimentar é fruto de uma insegurança estrutural. A fome deriva, antes de mais, da pobreza. O problema não é a exportação, mas o não consumo. E não há consumo por causa do mísero salário. Enquanto um grupo privilegiado de 28 mil pessoas ganha mais de 320 salários mínimos mensais, recebendo cada uma, em média R$ 765 mil por mês, isentos do Impostos de Renda, trabalhadores e consumidores são punidos com tributos embutidos no preço dos produtos.

Outra causa da fome é comportamentos morais lamentáveis: a busca pelo dinheiro, do poder e da imagem pública; a perda do sentido de serviço à comunidade em benefício exclusivo de pessoas ou grupos; a corrupção sob as mais diversas formas. Há ainda a extinção em 2019 do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA); o desmonte de todo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN); do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); e o esvaziamento dos estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). A extinção ou o sucateamento desses órgãos significaram o aumento da fome no Brasil.

As causas da fome estão, especialmente, na distribuição iníqua de terra, renda e das riquezas do país. As consequências dessa política econômica são desastrosas para a população. A fome é um dos maiores fatores de violência da família, sobretudo contra os idosos, mulheres e crianças. A fome desestabiliza as famílias e destrutora todas as relações familiares. A fome é sinônimo de violência doméstica, violência no campo e na cidade e leva a perda do sentido da vida. As consequências no campo da saúde são irreparáveis, como o fortalecimento de doenças crônicas. No campo da educação, as consequências estão relacionadas ao funcionamento cerebral, afetando as capacidades intelectuais, memória, linguagens, rendimento escolar e desenvolvimento socioemocional das pessoas.

O Brasil sente fome! O que fazer para superar essa problemática? A Igreja iluminada pela recomendação de Jesus diante da multidão faminta: “Dai-lhes vós mesmos de Comer” (Mateus 14,16), indica como saídas: combater a política da menor renda, quanto menor renda mais fome; cuidar da Casa Comum pelas relações humanas cada vez mais solidárias; superar a cultura do descarte e desperdícios; desenvolver bons hábitos alimentares; apoiar todos os movimentos e ONGs e outras instituições de combate à fome; criar campanhas emergenciais; implementar projetos produtivos comunitários; favorecer a economia solidária; assumir a responsabilidade social; viver a caridade: “Pois tive fome e me destes de comer. Tive sede e ....” (Mateus 25, 35ss). As ações de combate à fome são necessárias e que elas venham de toda população brasileira.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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