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Mediadores inflamatórios

Gislaine Marins

Um mediador inflamatório, revela o oráculo de google, são compostos químicos secretados por células do nosso corpo, ativadas devido à ação de um corpo estranho, e que amplificam aspectos específicos da inflamação. Em outras palavras, são substâncias que promovem a inflamação. As histaminas fazem parte dessa categoria e qualquer pessoa que já sofreu com alergias sabe que é preciso enfrentar as hiper-reações do nosso corpo a ataques externos, neutralizando as histaminas por meio de remédios antialérgicos.

Essa descoberta iluminou a minha tentação para criar metáforas que permitam que as pessoas compreendam o que acontece em outros setores da vida. Era a expressão perfeita para o assunto que eu queria abordar. Agora só faltava colocar as ideias no lugar. E as questões eram as seguintes: fofoqueiros e mediadores trabalham com a mesma matéria, ou seja, as palavras. Os resultados das suas ações, no entanto, não podem ser mais opostos: o fofoqueiro divide, o mediador concilia.

Não vou defender que os fofoqueiros devam ser banidos do convívio social, mas é certo que precisam ser ressocializados. Precisam ser sensibilizados, instruídos e educados para usarem a comunicação em prol das boas relações interpressoais. Também não posso generalizar, acusando todos os fofoqueiros de crimes intencionais, e nisso reside um dos maiores problemas dos mal-entendidos que nos atingem: em geral, eles não fizem por mal. Como as histaminas no nosso corpo, que causam espirros e urticárias, as pobrezinhas agem para o nosso bem, causando o nosso mal. Assim são os fofoqueiros, especialmente aqueles que dizem agir por consideração a nós e sem segundas intenções. No entanto, existem os contumazes, aqueles que têm fama, experiência e se orgulham disso. Os fofoqueiros de profissão são uma praga, mas todo mundo têm salvação, a não ser que escolha a barbárie como método e a selvageria como instrumento, a menos que abdique do adjetivo humano e escolha a monstruosidade, que não é o mesmo que comportamento animalesco, dado que os animais não agem com velhacarias e falsidades.

Compreendi o significado da palavra fofoca quando era criança e não estava na escola. O ensinamento foi transmitido pela minha mãe, que, como todas as progenitoras, são as primeiras mestras dos filhos. Chegávamos em casa e a vizinha muito fofoqueira perguntou:

- Então, vocês foram lá?

E minha mãe respondeu:

- Fomos.

Seguimos o nosso caminho, sem que minha mãe tenha dado oportunidade para a conversa ir adiante, e então perguntei:

- Lá aonde?

- Aonde ela pensa que nós fomos. Nunca dês trelhas para fofoqueiros.

Uma maneira de educar fofoqueiros é essa: não alimentar a conversa. Mas não é o único jeito de se livrar do problema. É preciso desconfiar. O velho ditado já ensina que quem conta um conto aumenta um ponto, então, para matar o mal pela raiz, o único jeito é analisar com frieza o que nos contam e aguardar o momento oportuno para averiguar as informações. Se uma dúvida assaltar o seu coração, lembre: a verdade é um prato que se come frio. No calor da hora, especialmente quando somos instigados a odiar antes mesmo de confrontar versões e verificar as provas, ficamos sujeitos, brutalmente falando, a sermos usados como massa de manobra.

Em nível mais amplo, é isso o que tem acontecido no nosso país, com avalanches de informações falsas que chegam aos nossos olhos sem pedir licença, geralmente retransmitidas por alguém da nossa confiança. Isso nos deixa vulneráveis e propensos a acreditar nas maiores mentiras, em complôs e em teses elaboradas com o objetivo de nos enganar e angariar o nosso ingênuo apoio. Mesmo que uma informação pareça coerente e confiável, é importante buscar sempre a fonte a informação que se recebe. A internet possui instrumentos gratuitos para isso: pode-se controlar se a informação foi publicada pelo autor a quem se atribui a mensagem, pode-se consultar se jornais repassaram a notícia, lembrando que blogues não estão sujeitos aos códigos de ética do jornalismo, embora muitos adotem esses critérios. Se alguém passar vídeo de algum médico sugerindo tratamentos fáceis, fáceis e rápidos, que possam representar o milagre para o incurável, convém perguntar-se se o médico protagonista do vídeo não poderia ser um ator usando jaleco em um cenário perfeito para furar as barreiras da confiança. Se passam algum texto publicado em outro país, é bom questionar se o que está escrito é uma tradução ou uma traição do roiginal. Ninguém está condenado a ser o idiota útil de quem quer se aproveitar da boa-fé.

Entretanto, não é o caso de descrer no mundo. O fato de adquirirmos defesas contra as fofocas não deve impedir que acreditemos na força do diálogo e da conciliação. É isso que fazem os mediadores, ouvindo as partes, ponderando, buscando os elementos de consenso e convergência. Identificar um mediador não é difícil: ele não irá semear a dúvida, chamará à razão. Não tentará convencer, mostrará os fatos. Não argumentará por meio de analogias, mas buscará a cronologia dos acontecimentos. Não fará suposições, mas deduções. Lembrando que deduzir é mostrar a conexão entre os fatos, supor é buscar a mera plausabilidade. No fim das contas, todo fofoqueiro é plausível, mas não necessariamente sincero ao que diz e a quem diz. Em outras palavras, os fofoqueiros são mediadores inflamatórios, que amplificam no nosso corpo as reações causadas por agentes externos. É preciso bloquear o efeito que eles causam: cortando a conversa, como ensinou a minha mãe, e usando todas as estratégias que aprendemos na escola e que deveriam servir para nos proteger dos perigos da vida e não apenas dos insucessos escolares.

 

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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