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Falta de Humanidade

Miguel Debiasi

“Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Isaías 1,27). Com este pensamento bíblico a Campanha da Fraternidade de 2019 convocou cristãos e cidadãos a debaterem as políticas públicas. A frase é do profeta Isaías, ao criticar os líderes e autoridades que oprimiam o povo manipulando os ensinamentos de Deus. Na percepção de um cenário nacional semelhante, a Igreja entende que a profecia de Isaías é iluminadora para pensar as políticas públicas a melhorar a vida do povo.

A Palavra de Deus pode iluminar toda a vida cristã e fortalecer as ações em prol do direito e da justiça das pessoas, da comunidade e da sociedade. Na Constituição Federal o que não falta são direitos. Porém, o problema é a concepção de direito, tido muito mais como lei e norma, e menos como instrumento de vida digna. Com isso, os direitos constitucionais são perfeitos no papel e na letra, não enquanto realidade. Com a justiça não é diferente, tem-se uma concepção distorcida. Pensa-se na justiça enquanto aplicação pelas instâncias jurídicas, dos tribunais. Nisso, apequena-se seu significado e sua aplicação. No entanto, o direito e a justiça são as razões pelas quais o cidadão pensa e acredita nas relações sociais justas e de bem-estar coletivo.

Nas Sagradas Escrituras a justiça é palavra central e Jesus indica seu significado: “guardai-vos de praticar a vossa justiça diante dos homens para serdes vistos por eles” (Mateus 6,1). Jesus está dizendo que é a prática das boas obras que torna o homem justo diante de Deus. O profeta Isaías denuncia que Deus não suporta a prática da justiça da solenidade, do rito: “não posso suportar iniquidade e solenidade” (Isaías 1,13). Jeremias profetiza “estou cansado de carregar vossa justiça opressora” (Jeremias 14,12), e acrescenta: “em vossas mãos corre o sangue dos inocentes” (Jeremias 2,34). O profeta Miquéias convoca “o homem vive o que Deus exige: nada mais do que praticar o direito” (Miquéias 6,8). O profeta Amós diz: “quero que o direito corra como a água e a justiça como rio caudaloso” (Amós 5,24).

Jesus e os profetas não fazem do direito e da justiça uma liturgia, solenidade, hoje holofotes, mídia, mas uma questão de vida justa e meio de realizar a obra do Reino de Deus. À luz da Palavra de Deus a Igreja propõe um debate nacional sobre as políticas públicas, questões como seguridade social, aposentadoria, respeito aos direitos constitucionais. A fé na Palavra de Deus leva a cultivar amor pela vida do outro. Assim, o Evangelho e o Reino de Deus levam a um posicionamento diante da realidade. O fato é que pelo exemplo de Jesus e dos profetas a fé cresce através de respostas às necessidades da vida humana.

Logo, para viver a fé em Cristo, o cristão deve lutar em favor de boas políticas públicas, frutos do direito e da justiça. Uma fé autêntica nunca é individualista, mas comporta o desejo de mudar o mundo e realidades empobrecidas, diz o papa Francisco. Então, a fé cristã e a cidadania ativa exigem a realização do prometido na campanha eleitoral de 2018. O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que “a idade mínima de 65 anos para aposentadoria era falta de humanidade”. E acrescentou “jamais atuaria para levar a miséria aos aposentados por exigência do mercado financeiro”.

Lamentavelmente, passados trinta dias de seu governo oferece R$ 10 milhões por deputados e mais, a distribuição de cargos no segundo e terceiro escalões para aprovar a reforma da Previdência. Pior, propondo a aprovação com a idade mínima de 65 anos e com redução dos benefícios dos aposentados. Em contrapartida, não mexe na aposentadoria dos militares e do judiciário. Geraldo Alckmin, presidente do PSDB, diz: “é desumano fazer com que os idosos miseráveis só possam receber um salário mínimo integral após os 70 anos”. O economista Fausto Augusto Júnior, coordenador de Educação do Dieese, alerta que “o objetivo da reforma da Previdência é criar um enorme mercado de previdência no Brasil”. Noutras palavras, o governo com a reforma acaba com a previdência pública e o fim deste direito constitucional. Por outro lado, os bancos agradecem ao governo pela oferta da aposentaria privada.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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