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Diante do caído

Miguel Debiasi

O diálogo do moço rico com Jesus (Mateus 19,16-22; Marcos 10,17-22) que lhe interroga a respeito da conquista da vida eterna, pode ser tomado de várias interpretações. O diálogo é esclarecedor em todas as dimensões da vida humana. Serve para nossas leituras da vida e da sociedade. Os evangelistas Marcos e Mateus nos provocam a crescermos na fé, a elevarmos a consciência e a termos atitudes e obras transformadoras. Enfim, como queiram, nos desinstalar na fé, na consciência e nos comportamentos.

Em Mateus e Marcos, evangelistas, o diálogo entre o moço rico e Jesus não acontece no templo de Jerusalém, lugar do ensinamento, da doutrina, dos ritos sagrados, do domínio religioso, social, político e econômico, mas na rua, no caminho empoeirado. Este lugar do diálogo já nos diz muitas coisas. No templo de Jerusalém, os moços ricos tinham lugar destacado, a cadeira da honra. Enquanto a rua é lugar de todos, do povo mais humilde que peregrinava dias e noites para se aproximarem de Jerusalém e do templo santo. Em cada lugar há a sua fala. Templo e rua comunicam de forma diferenciada. Na rua os protagonistas são outros. Os amigos de conversa são outros. Os amigos do palácio/templo e da rua são opostos.

O diálogo iniciou-se pela pergunta do moço rico a Jesus, com a preocupação de ganhar a vida eterna. Talvez o moço rico, também instruído na lei, na doutrina, na cultura, estivesse buscando as razões teológicas, religiosas, filosóficas, para a sua existência. Talvez quisesse estabelecer um debate entre mestres e especialistas. Entre entendidos e cultos. Talvez quisesse levar Jesus para um debate da questão em nível abstrato, metafísico, para uma reflexão puramente teórica e inacessível para o iniciante e para o povo. Ou até mesmo estivesse muito preocupado em garantir sua vida eterna, pois a terrena estava segura pela tamanha quantidade de posses. No entanto, Mateus e Marcos deixam às claras a intenção do moço afortunado.

Enfim, Jesus de Nazaré que como ninguém percorria com os pés empoeirados povos, aldeias, cidades e ruas desloca o eixo do diálogo com o moço pretendente. Das ruas Jesus fez à casa da vida, a casa da teologia, a casa de Deus ao céu aberto. Digamos que Jesus retirou o moço de seu palácio, lugar da posse e da segurança por excelência, para colocá-lo no âmbito da vida social, na rua, das implicações da fé para o comportamento cotidiano. O método que Jesus usa para deslocar o coração do moço preso às suas seguranças econômicas foi fundamental, olhar para rua, ver os pobres, os empobrecidos, desfazer-se de tudo e depois, o seguimento. Quanto ao desfecho do diálogo já o sabemos “saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens” (Marcos 10,22). Jesus propôs para o moço rico um alimento sólido que complementaria sua caminhada de fé, mas este foi incapaz de fazer essa opção.

O método de Jesus aponta para algo fundamental para a nossa fé, a conversão pessoal deve ser complementada pela transformação social. Diante de uma realidade concreta não basta ter fé, mudar o coração, é preciso modificar também e ao mesmo tempo as estruturas da sociedade, em todas as dimensões: econômicas, políticas e sociais. A pergunta pela salvação humana, não se responde pelo sagrado, pela observância a lei, mas na responsabilidade com a história, com o empobrecido. No diálogo entre o moço rico e Jesus a salvação ou a perdição estão subordinadas ao comportamento de cada pessoa diante de situações concretas de exclusão social. A verdadeira preocupação com a vida eterna faz passar da conversão pessoal para a social, do coração para a atitude, para as implicações de fé com a transformação da realidade.    

Como o diálogo entre o moço rico e Jesus é muito esclarecedor e permite aos interlocutores muitas leituras teológicas e interpretações filosóficas, pode-se aplicá-lo sobre toda a realidade em que vivemos. Jesus não veio tranquilizar a consciência dos povos, dos empobrecidos, mas despertar sem dúvidas atitudes libertadoras. Assim, deve-se tomar consciência do absurdo que as elites e às oligarquias brasileiras, hoje financiadas por grandes grupos econômicos não se sensibilizam e solidarizam com o grande número de empobrecidos, desempregados, que passam fome, que padecem toda espécie de bens materiais. O governo federal que concede bilhões de dólares aos poderosos do agronegócio, mineradoras, a bancada do BBB, ou do boi, da bala, da bíblia, é incapaz de oferecer alguns míseros centavos aos desempregados e favelados para retirá-los da situação de miséria. Essa insensibilidade se explica pela história de 388 anos de escravidão e 522 de exploração econômica. O círculo vicioso da atual política econômica tranquiliza a consciência do opressor que fere de sofrimento o povo, o caído pelas ruas. 

 

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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