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Deus abaixo de todos

Miguel Debiasi

Dilma Rousseff foi a última presidente eleita no Brasil sem a interferência das religiões. Os representantes dos cargos políticos públicos após a era Dilma serão eleitos pelas comunidades religiosas, sobretudo das igrejas pentecostais. O presidente, muitos governadores, deputados e senadores que vão assumir os cargos públicos em janeiro de 2019 são a prova da dependência política da religião. Diga-se de um grande mal para a religião e principalmente para a política.

O atrelamento das eleições à religião no Brasil é fruto de um processo histórico mal resolvido da separação Estado e Igreja. A separação do espaço laico do religioso, e do público do privado não existe na realidade. Desde a colonização do Brasil a política fortificou seus laços com a religião. Atualmente, essa unidade é legitimada por políticos que ocupam os saguões do Congresso Nacional. Nos fastidiosos discursos políticos Deus é invocado. Lamentavelmente, é invocado como elemento de barganha da confiança das comunidades religiosas. Nesta unidade perde a política que deixa de ser a ciência do debate democrático coletivo. E, perde a fé cristã, porque Cristo nunca se submeteu aos interesses da classe dominante.

O Congresso Nacional é a caracterização da não separação entre Estado e Igreja. Para os cientistas políticos o Congresso Nacional é constituído por três grupos, os chamados BBB: o grupo do boi, o da bala e o da Bíblia. Precisamente são latifundiários, agropecuaristas e pastores. Nos interesses destes grupos pautas de debate do Congresso Nacional avançam ou ficam trancadas. Isto significa a morte da política como ciência do prover o bem comum dos cidadãos. Os debates de questões fundamentais não avançam porque esbarram nos interesses do agronegócio, das mineradoras, dos pastores.

Em se tratando de religião não faltam no Brasil adeptos do fundamentalismo e fanatismo. No fundamentalismo e fanatismo religioso existe algo perigoso tanto para os crentes como para os cidadãos brasileiros: a violência, a intolerância, o ódio. No pleito eleitoral de outubro de 2018 foi eleita a maior bancada de políticos conservadores da história do Brasil, e destes, muitos pastores. A bancada é definida por alguns cientistas como sendo de extra direita. Isto é, são políticos adeptos ao uso da força, violência, armas, até ao extermínio dos adversários. Ademais, a venda de armas chegou ao crescimento de 400%. Lamentavelmente, tudo isto com aval de líderes religiosos que com seus interesses pessoais fortalecem a subordinação da política às suas igrejas. Certamente, uma prática abominável para Jesus Cristo.

Ademais, basta reportar-se ao slogan do presidente eleito que prega: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esse bordão é o retrato fiel que a política precisa libertar-se da religião e vice-versa. Em tal slogan há engodos de natureza política e teológica. O de natureza teológica diz respeito ao conceito de “Deus acima de todos”. Essa afirmação não tem fundamento bíblico. Na história da revelação Deus nunca se colocou acima do ser humano. O slogan é uma manipulação da fé das pessoas.

Os textos bíblicos tanto da Antiga e Nova Aliança descrevem outra ideia de Deus. Toma-se um texto do Antigo Testamento que narra a revelação de Deus a Moisés: “Deus disse: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor por causas dos seus opressores; pois eu conheço suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel” (Ex 3,7-8). Também, recorrer ao texto do Novo Testamento da encarnação do Filho de Deus, assim narrado: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e o chamarão com o nome de Emanuel, que traduzido significa: Deus está conosco” (Mt 1,23). Mesmo Jesus de Nazaré demonstra que o lugar de Deus é abaixo de todos ao lavar os pés dos discípulos (Jo 13,1s).

Quanto à inverdade de natureza política no bordão “Brasil acima de tudo” ressoa autoritarismo e tirania. Em tempo da política de diálogo e respeito às demais nações, colocar um país superior ao outro corre o risco de romper relações exteriores e caminhos diplomáticos. Ademais, o Brasil não está acima de seus cidadãos. O maior valor do país são seus cidadãos. Logicamente, quando respeitados em suas ideias.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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