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A Igreja e sua vocação

Miguel Debiasi

Em presente contexto de pluralidade religiosa a Igreja Católica vive sob a tensão de meditar sobre a natureza de sua vocação. Para evangelizar uma cultura plural não é suficiente a defesa da doutrina e do zelo sacramental e administrativo. Neste momento da história a Igreja precisa aprofundar a consciência de sua vocação. Eis um desafio à Igreja Católica do século XXI.

Na pluralidade e na diversidade religiosa apresenta-se a tarefa de uma profunda reflexão teológica e pastoral por parte da Igreja. Uma reflexão para além da constatação da perda de fiéis, dos proselitismos religiosos, da falta de criatividade pastoral, da redução de vocações sacerdotais, da resistência clerical à renovação das estruturas eclesiais, do insuficiente número de comunidades eclesiais nas periferias, da não opção preferencial pelos pobres, etc. Ademais, de uma reflexão teológica que não ignore a resistência de sacerdotes à Teologia da Libertação e à ecumênica, negra, africana, feminista, de gênero, do terceiro mundo, e o fechamento ao diálogo com a cultura moderna, etc. Logicamente, uma reflexão capaz de perceber a nova realidade social e cultural.

Ao perceber a situação da Igreja, em 2013 o papa Francisco tomou a iniciativa e publicou a exortação apostólica Evangelii Gaudium, a Alegria do Evangelho. Pela exortação o papa Francisco deseja chegar aos católicos, aos cristãos e à Igreja universal, propondo um tempo novo ao cristianismo através de uma “Igreja em saída” (EG 20). Para entender a proposta do papa é preciso perguntar-se: o que é uma Igreja em saída? O pontífice aponta “saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo” (EG 49). A “Igreja em saída” tem uma vocação, a de viver a missão de Jesus Cristo. Em outros termos, a Igreja é instrumento desta missão a ser vivida em todas as épocas da história da humanidade.

A vocação da Igreja está em cumprir o que Jesus anunciou: “Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20). Nestas orientações de Jesus ressuscitado no alto monte da Galileia ao enviar os seus discípulos, apresenta-se a natureza da vocação da Igreja: de anunciar a Palavra do Senhor, de realizar o que Ele fez. Fazer o que o Senhor fez: lavar os pés do outro, curar os doentes, oferecer a misericórdia aos pecadores, convidar os pobres, mulheres e humildes para seu seguimento, implantar as obras do Reino de Deus.

Na missão de ser fiel a sua vocação o papa Francisco diz que “a Igreja deve aprofundar a consciência de si mesma, meditar sobre o seu próprio mistério” (EG 26). Na fidelidade à vocação recebida de Cristo, a “Igreja em saída” romperá consciências, mentalidades e práticas. Isto mais que interpretar a Palavra de Deus é tornar o evangelho uma experiência real nos seguidores do Senhor. No rosto dos empobrecidos a presença de Jesus que clama por vida digna, implantação de seu Reino, vocação da Igreja em saída.

A sociedade contemporânea, caracterizada pela pluralidade e diversidade cultural e religiosa, espera da Igreja fidelidade a sua vocação. Neste sentido, acredita o papa Francisco que a vocação da Igreja jamais poderá ficar obscurecida por nenhuma circunstância histórica. Por sua vocação a Igreja precisa proporcionar ambientes, meios, comunidades e serviços que levem ao conhecimento de Jesus e que pratiquem seus gestos e ações atualmente. Então, na vocação da “Igreja em saída”, os cristãos precisam demonstrar qualidades, virtudes, aspectos de Cristo vivos e presentes em suas vidas. Neste sentido, os cristãos são chamados a, mais que se identificar, personificar-se em Cristo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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