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A oração preferida: o terço!

Miguel Debiasi

Os primórdios homens e mulheres chegaram a percepção da finitude da natureza humana. Somos entes criados por outros. Nascemos, crescemos e morremos logo adiante. A vida não nos pertence no sentido absoluto. Há algo nela que escapa de nosso domínio. Deparar-se com esta realidade não é trágico, mas entendimento que eleva compreensão e valorização da vida como dom recebido. A consciência da finitude da natureza humana resulta na abertura para um Ser Absoluto, em geral, na crença em Deus. Esta consciência produz a necessidade de cultivar uma relação com Deus. A relação com Deus desenvolve-se de muitas maneiras, como pela oração.

Os estudos antropológicos nos dizem que cada povo é totalmente diferente. Hábitos, costumes, crenças, relações, características físicas, comportamentos, tradições e outras particularidades mostram a existência de diferentes povos. Mesmo com a tendência que intensifica a cultura da globalização, os diferentes povos não serão suprimidos. Embora milhões de entes humanos tenham a mesma raça, nacionalidade, comunidade um povo é totalmente diferente do outro. Ainda que a ciência avance em suas descobertas nunca teremos um clone humano. Somos indivíduos totalmente diferentes, um ser único. A consciência desta realidade particularizada interioriza em cada ser humano extraordinárias significações como de proporciona efetivação da vida pessoal e a do outro.

O filósofo hegeliano João Alberto Wohlfart ao referir-se a compreensão de Estado e História universal em Hegel escreve: “o espírito do povo, sem abdicar de sua especificidade e particularidade, encontra a sua verdade e realização plena na universalidade do espírito do mundo”. João Alberto está dizendo que todo ser humano e todo povo por mais que tenha reconhecido sua particularidade e singularidade está relacionado ao espírito universal. As particularidades estão restritas a uma época e contexto da História universal e a costumes culturais bem delimitados. O ser humano ao ter consciência desta condição, proporciona uma passagem da particularidade para o espírito da universalidade sem abdicar de sua consciência e singularidade. A consciência da particularidade, produz a liberdade e o direito de ser reconhecido e faz desenvolver relações com todo universo, contribuindo com o espírito universal. Esta abertura para a História universal também leva a transcendência ou do voltar-se para um Ser Superior, um Deus.

Achille Mbembe, filósofo camaronês, ao estudar a história e antropologia observa o privilégio de raças e culturas que impuseram sua visão de mundo e consequentemente uma ordem sociopolítica que reduz todo o universo na sua volta. Contrapondo a imposição cultural e étnica, o filósofo argumenta que a história estreita relações entre todos os seres humanos do universo. As trocas comerciais e as migrações uniram todos os polos geográficos. Nas próprias fronteiras há nelas uma interface entre um local com o universo. A política da fronteira intensifica as identidades itinerantes. Os apegos aos territórios delimitam políticas que implicam que os espaços são múltiplos e que constantemente são feitos e refeitos pelas mobilidades de bens e de pessoas. A multiplicidade de nacionalismos e jurisdições são frutos da pluralidade de territorialidades unidas entre todas. As migrações mostram que existe uma territorialidade itinerante. Disso resulta que não há casta ou grupo social que resida isoladamente, embora habite em territórios diferenciados. Desde o início da história, a humanidade caminha num entrelaçamento de todo humano com outros. Com a religião não é diferente, provoca o entrelaçamento dos indivíduos e cultiva abertura para a transcendência, para comunhão com Deus.

Os filósofos João Alberto e Achille mostram que a história da civilização é constituída de identidades humanas diferenciadas e contextualizadas em cada época histórica e que estão para o espírito universal. A Igreja cristã pregou desde Jesus Cristo a partir das particularidades ou dos universos autóctones para significações universais. Em muitas situações o cristianismo foi tomado pelo avesso e descompasso com a história despojando culturas e etnias em prol de uma única visão de humanidade universalizada. Esta visão e prática religiosa foi cruel com apresentação do Evangelho na intenção de constituir uma única crença e único povo. O resultado foi o uso da religião cristã por parte da cultura europeia e de um homem coberto de todos os triunfos de soberania divina desmerecendo outros seres humanos e as diferentes culturas.

Este movimento religioso europeu apresentou sua própria força e imposição da crença do cristianismo na contramão do espírito do Evangelho.  Em contrapartida, a Boa-Notícia de Deus se incultura em todos os contextos sem o despojamento e extermínio das culturas. Por um lado, na falta de um processo de inculturação do Evangelho, os convertidos buscaram refúgios na Virgem Maria e dela saciaram sua vida espiritual cultivando muitas devoções marianas. Por outro lado, tal como o colonialismo o cristianismo foi recebido como uma imposição, da combinação entre o terror da morte, do pecado, do castigo pelas categorias da perfeição e da salvação. Os povos afastados da mensagem do Evangelho assimilaram a recitação do terço que fez a recepção do cristianismo. Na recitação do terço em meio a tantos tormentos espirituais e privações materiais, os suplicantes encontraram na Virgem Maria a força libertadora. No colapso das políticas públicas e privadas provocado pela falta de vontade dos governantes e dos grupos econômicos poderosos em erradicar a pandemia do coronavírus, os católicos e cristãos isolados em suas casas recorrem a sua única segurança, a súplica a Virgem Maria. Na mãe Virgem Maria encontram o refúgio, a proteção e a consolação das perdas familiares. Proteção e consolo negado por falta de vontade dos mandatários da política e da economia.            

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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