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Repetentes

Gislaine Marins

 

2020 foi reprovado e começou a repetir o ano. Quem tinha esperança, como eu, de que 2021 seria diferente, as notícias são péssimas. O ano passado terminou em recuperação e não passou para a série seguinte.

É que o calendário não acompanha o nosso desenvolvimento. O calendário limita-se a assinalar eventos, provas, resultados. Registra sentenças: reprovado.

Os professores que o digam: aluno repetente é um problema! É mais fácil lidar com o aluno que enfrenta dia após dia as suas dificuldades, as pedras e os buracos no meio do caminho. Ele aprende, entre dificuldades e descrédito, com os saltos e as freadas que a vida impõe. O aluno com dificuldade vai em frente, na sua corrida com obstáculos. O repetente, ao contrário, é mandado de volta para o começo, é obrigado a percorrer novamente cada passo, desafiando o tédio, a raiva, a insegurança, o desestímulo. É difícil recuperar esse tipo de aluno e convencê-lo de que a repetição é para o seu bem. Por isso, defendo a aprovação a todo custo e a reprovação somente em casos excepcionais. Uma pessoa que na escola é treinada para repetir dificilmente irá valorizar na vida as pequenas vitórias, que prescindem dos inúmeros erros que cometemos.

É uma questão de perspectiva. Apostamos no círculo vicioso ou na linha reta formada por infinitos pontos?

Os primeiros dias de janeiro deram um péssimo sinal: diante de crises gravíssimas em Estados que se proclamam democráticos, o que muitas pessoas fazem? Repetem os erros do populismo, caindo na dinâmica da raiva, deixando-se levar por técnicas de falsificação da informação, abdicando da possibilidade de analisar os ataques à democracia, reconhecendo por meio de suas ações que não são capazes de responder à falta de fundamentos dos que vandalizam instituições e ofendem os princípios que inspiram as pessoas que agem de maneira ética para proteger os valores da democracia. As pessoas repetem, como se fossem um disco arranhado, como se fossem papagaios, como se fossem uma gravação estragada, como se fossem alunos repetentes condenados a reviver o ano que já terminou.

Os repetentes da vida já começaram a reviver 2020, iludidos pela mudança de algarismo que anuncia uma nova década. Para quem já se resignou à repetição, um ano é igual ao outro, uma década vale a outra, a vida não vale a pena.

Falar a essas pessoas de justiça, ética, futuro, reparação é apresentar-lhes um mundo desconhecido, ao qual elas não têm acesso pelas barreiras que se lhes impõem. E que às vezes são impostas por si mesmas, seguindo um mecanismo de submissão, aceitação e resignação ao papel que lhes foi reservado.

É preciso, urgentemente, adotar novas posturas. Começando pela escola, por todos os níveis de formação, passando pelas relações sociais e hierárquicas, onde o respeito é ainda mais importante, pois a prepotência é uma tentação constante.

Comecei o ano pensando nos repetentes, vendo cenas desoláveis para o Ocidente e tendo certeza de que nada está perdido, se compreendermos que a repetição é inútil, que o esforço é necessário e que a mudança é inevitável para que possamos ter a década melhor do que esperamos.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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