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Por uma ética libertadora

Miguel Debiasi

 

A realidade de intolerância, violência, ódio, exclusão social, destruição do ecossistema, fascismo político, fundamentalismo religioso, feminicídio, discursos misóginos e outros graves problemas clamam por ações humanas libertadoras. É urgente propor reflexões éticas libertadoras. Todo ato humano pode ser acompanhado da ética social. A ação política pública não prescinde da postura ética coletiva libertadora. A experiência religiosa pode ser acompanhada de uma ética evangélica. Aos cristãos e humanistas, Jesus Cristo é o caminho para uma ética libertadora.

A história mostra que movimentos e pessoas souberam com suas ideias e ações proporem mudanças da sociedade. O filósofo grego Sócrates preferiu morrer do que negar sua consciência libertadora. Cristo foi elevado ao madeiro da cruz por causa da verdade. No cristianismo primitivo homens, mulheres e jovens preferiram o martírio do que renunciar a fé libertadora. Na Idade Média teóricos preferiram a condenação a negar uma verdade científica. A Reforma Protestante indicou para Igreja a maior fidelidade ao Evangelho. Em época contemporânea dom Oscar Romero, dom Hélder Câmara, dom Pedro Casaldáliga, padre Ezequiel Ramin, e Josimo Morais Tavares, irmã Dorothy Stang e muitos deixaram um grande legado de libertação. Na esfera política a revolução francesa a industrial, na econômica a tecnológica, na cultural a científica moderna, causaram uma reviravolta no pensar e no agir dos indivíduos. Na esfera sindical o ecologista Chico Mendes, o operário Santo Dia da Silva e do movimento feminino a Roseli Nunes e muitos outros derramaram seu sangue por uma sociedade mais justa.   

Em qualquer movimento e instituição política, cultural, econômica e social, a ética deveria ser o imperativo fundante de reflexão e ação. A ética é a condição de todo projeto de vida humana. A cultura, educação, política, religião, ciência econômica deveriam ser o berço da ética libertadora. Ação sociopolítica se constitui a partir da pergunta pela vida, justiça e pela função social e coletiva das instituições públicas. A relevância da ação sociopolítica é cumprir os princípios da justiça social que conduz as decisões e comportamentos dos cidadãos. Para os cristãos a postura ética nasce do Evangelho como luz para a justiça social. A fé em Cristo quando acolhida é para a libertação e para superação do jugo da escravidão (Gálatas 5,1).

O cristianismo primitivo fiel ao Evangelho e a Cristo converteu multidões de pagãos e modificou a postura dos tiranos imperadores. Os primeiros cristãos e a Igreja primitiva não separava fé e vida, Deus e o ser humano, religião do contexto social das pessoas, Evangelho do profetismo. Os primeiros seguidores de Jesus Cristo constituíram a Igreja como a comunidade religiosa onde estava no centro a vida das pessoas, lugar em que todos e tudo se partilhava e se colocava em comum (Atos dos Apóstolos 2,42-47). A fé cristã primitiva emancipou os indivíduos analfabetos e pobres de qualquer organização política, cultural e econômica contrária as ações éticas libertadoras e transformadoras dos contextos de exploração e escravidão. A ética cristã é por natureza libertadora.

O filósofo Manfredo Araújo de Oliveira entende que o cristianismo se atualiza em cada contexto histórico pela superação da separação entre Deus e o ser humano. O filosofo alemão Kant (1724-1804) argumenta a partir do cristianismo por uma ética da história que liberta o ser humano e dá significação universal suas ações. Hegel (1770-1831), filósofo alemão, escreve que toda tragédia histórica deve-se ao fracasso da vida política e que levou o Estado ser subserviente e a escravidão. A reflexão religiosa de Hegel indica que o cristianismo tem poder de emancipação do ser humano pela virtude da ética libertadora. No seu pensamento o Estado não é uma simples instituição fruto de um contrato social como argumentava o filósofo John Locke (1632-1704). Mas, é uma instituição que tem subsistência em fazer o bem-comum de todos os indivíduos. Seu interesse e fim último é da elevação da consciência dos cidadãos e da liberdade que só se atingível na eticidade. O Estado é uma realidade ética, enquanto ele não se separa de sua função de fazer o bem-comum.

Enrique Dussel (1934), filósofo argentino pensou e constitui conteúdo da Ética da Libertação relendo a história sob o prisma da relação do colonizador com o colonizado. Dussel critica a teologia, política, economia, sociologia e as ciências sociais por terem justificado a dominação, exploração, escravidão. O Estado brasileiro vive o colapso econômico, social e um desgoverno que demonstra a carência de uma ética libertadora e transformadora. O pensamento e ações do presidente da república e do governador contradizem a função do Estado que é de prover o bem comum dos indivíduos de forma prioritária. O extermínio de milhares de brasileiros pela pandemia são vítimas das atuais políticas públicas implantadas no governo federal e estadual que vão à contramão da função ética e social do Estado. Os verdadeiros governos almejam governar de forma ética por políticas libertadora. Atualmente, estamos longe de acontecer esta realidade.  

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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