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Os peixes de Santo Antônio

Vanildo Luiz Zugno

 

Talvez alguns e algumas estranhem o título deste texto. Poucos estão acostumados a associar o Santo de ambígua nacionalidade com a atividade pesqueira. Mais do que aos rios e ao mar, na memória popular, o santo pregador é associado ao amor. No Brasil, é o santo casamenteiro, último recurso das moças incasáveis e desesperadas por sê-lo. Um problema para teólogos, pregadores e historiadores, entre os quais me incluo.

Na biografia do nascido português e adotado italiano, não há fatos que comprovem sua eficácia na arte de ajudar as moças a encontrarem marido. A possibilidade que vislumbro é a de que a habilidade de Antônio na pregação tenha derivado para a facilidade na sedução. Com a arte da palavra pode-se muitas coisas fazer, desde a Deus louvar até fazer o amor florescer lá onde pareça que não há possibilidades para tal.

Outras possibilidades existem para tal atribuição. A primeira vem de Portugal e remonta aos antigos celtas que por lá viveram e deixaram profundas marcas na cultura lusa. Santo Antônio, o maior dos santos portugueses, pode ter sido associado a Sucellus, a principal divindade do panteão céltico. Entre os atributos deste deus, estava a fecundidade. Não por acaso talvez, em algumas regiões do Brasil, Santo Antônio é disfarçadamente representado com atributos reprodutivos masculinos avantajados.

O outro caminho é o da África. De lá veio o culto aos orixás e, entre eles, Exu, aqui no sul do Brasil também conhecido como Bará. Nos sincretismos à força forjados, ambos são identificados com Antônio. Entre as missões do Exu/Bará, está a de possibilitar a interlocução e interação entre os humanos e dos humanos com os orixás e com Deus. Exu/Bará é a força da comunicação que pode levar ao entendimento ou à confusão. Estar de bem com ele, invocá-lo benevolentemente, é um passo necessário para achar o caminho do amor e do casamento. Tudo o que Santo Antônio, na tradição popular, também faz.

Voltando a Santo Antônio, o real, aquele que viveu na região mediterrânea no séc. XII, dentre os fatos mais memoráveis de sua vida está o famoso sermão aos peixes. Diante dos hereges de Rimini que não queriam ouvir o douto filho de Francisco de Assis, ele dirige-se à foz do rio e ali começa a pregar aos peixes. Tanto os de água doce como os de água salgada, pequenos, médios e grandes, atenta e silenciosamente o escutam e, com movimentos corporais assentem ao ensino do eloquente gajo. Assim como Francisco pregara aos pássaros, Antônio prega os peixes. E o êxito do discípulo supera o do mestre, pois consegue trazer de volta à fé os que dela se haviam desviado.

O fato é lembrado por outro Antônio, também nascido em Lisboa, mas não franciscano. Foi Antônio Vieira, um jesuíta, quem no dia 13 de junho de 1654, festa de Santo Antônio, em São Luís do Maranhão, em seu sermão aos colonizadores do norte do que mais tarde viria a ser o Brasil, três dias antes de partir sorrateiramente para a metrópole a fim de denunciar as tropelias cometidas pelos portugueses contra os indígenas, prega “não sobre o santo”, mas “como o santo”. O sermão é belo e forte. Uma das obras prima da oratória sacra na língua portuguesa brasileira então nascente. E de uma força sagrada mais atual do que nunca.

Partindo dos peixes aos quais Santo Antônio pregara, o jesuíta faz uma viagem pelos demais habitantes aquáticos mencionados tanto no Antigo como no Novo Testamento e de cada um tira lição aplicável aos surdos ouvintes que, diferentemente dos peixes, mais falam que escutam.

Belo seria poder mencionar a todos. Mas não há necessidade. Remeto ao sermão. Você leitor pode acessá-lo e fazer suas próprias ligações. A leitura será proveitosa tanto pelo aspecto literário como pelo religioso.

Apenas tomo a liberdade de convidá-lo a prestar atenção nas qualidades do peixe pescado por Tobias. Ele tem o poder de curar a cegueira e expulsar demônios. Duas coisas mais necessárias hoje do que nunca, no meu entendimento. Mas confira com seus próprios anzóis e, se por acaso, como o jovem herói do Antigo Testamento, você tiver um familiar cegado ou possuído pelo demônio, não hesite em revirar as entranhas do monstro, retirar delas o fel e o coração. É algo malcheiroso, mas pode ser útil um dia...

Boa leitura e boa sorte com os peixes de Santo Antônio e dos Antônios que cruzarem com sua vida.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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