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Igreja não combina ...

Miguel Debiasi

Quando o assunto é Igreja as opiniões se multiplicam e são inconclusivas. Em nosso tempo os conceitos Igrejas e de práticas religiosas são reféns da subjetividade humana. Tem ocorrido no Brasil uma proliferação de Igrejas, em muitos casos, a mensagem extraída do Evangelho e a comunidade de fé passaram a servir os interesses políticos e econômicos da liderança religiosa. Desta situação perversa precisamos libertar a Igreja de Cristo.

Nos últimos séculos teóricos, filósofos e cientistas da religião teceram duras críticas a Igreja Católica, em razão de: sua aliança política com o Estado, de sua estrutura hierarquia e clerical patriarcal, de sua teoria moral impregnada de proibições e moralismo, de sua teologia do sacrifício e da culpabilidade, de sua postura social favorável ao status quo, de sua cultura religiosa antimodernista e outras. Críticas, que em boa medida, foram reconhecidas pela Igreja Católica como pertinentes e que a provocaram a revisar sua doutrina e prática religiosa. O Concílio Vaticano II (1962-1965) que propõe a Igreja um aggiornamento ou sua renovação, também é fruto deste movimento crítico.

As críticas do século passado visavam a superação da Igreja sociedade perfeita, cujo projeto apresenta-se como ideal de Nova Cristandade e como modelo de instituição para as realidades terrenas e que foi confrontada com a nova cultura, a da sociedade moderna secularizada. O confronto impõe questionamento em dois focos. Um, a Igreja sociedade perfeita, naquele momento histórico, antes do Concílio Vaticano II, significaria a participação e reconhecimento oficial do clero – bispos, padres, religiosos e religiosas – como membros vivos nos ambientes sociais, meios políticos, culturais e outros espaços de vivência sócio comunitária.

Segundo, sendo favorecida a Igreja Católica, representada pela hierarquia eclesiástica, possibilitava a participação mais efetiva das classes médias e da burguesia. Por conseguinte, a teologia, a moral e a pastoral da Igreja não representaria nenhum sinal de transformação da sociedade de esperança às classes populares.

As bases da Igreja Católica se mobilizaram e assessorada pela reflexão dos teóricos, teólogos e cientista da religião, buscam um novo aggiornamento para a Igreja, a ponto do Papa João XXIII convocar um novo Concílio Ecumênico. Das críticas dos intelectuais e das mobilizações da comunidade de base nasce o Concílio Vaticano II, onde mais de dois mil padres sinodais foram convidados a refletir sobre a melhor noção de Igreja. Dessa reflexão sinodal nasce o conceito de “Igreja Povo de Deus”, diga-se, de um resgate da experiência da Igreja Primitiva, da Igreja dos Apóstolos e da Igreja Antiga.

As Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano, de Medellín (1968) e Puebla (1979) são os eventos que melhor souberam interpretar o Concílio Vaticano II. De espírito autêntico e de forma esclarecedora, as Conferências corroboram o processo de redescoberta da Igreja dos pobres, caminho para a reabilitação do conceito de “povo de Deus”. Nessa noção e compreensão “povo” e “pobres” são solidários e correlativos. Por esta reflexão os bispos estão afirmando que não tem como separar a Igreja de Cristo do povo e dos pobres.

A Polícia Federal no final de maio aprendeu em Belém do Pará, um avião com 290 kg de maconha, com o ex-deputado federal Josué Bengtsons do PTB, líder da Igreja Quadrangular no Pará, o tio da ex-ministra Damares Alves. A aeronave registrada em nome da Igreja Quadrangular estava a serviço exclusivo do líder religioso ex-deputado federal Josué Bengtson. Segundo a investigação da Polícia Federal, os 290 kg de maconha tinham como destino Petrolina, em Pernambuco.

Em 2018, a Justiça Federal condenou Josué Bengtson, então deputado federal, por enriquecimento ilícito por meio do esquema de desvio de recursos da saúde de Pará, que ficou conhecido nacionalmente como máfia das ambulâncias ou escândalo dos sanguessugas. O deputado perdeu o mandato, os direitos políticos suspensos por oito anos e teve que pagar cerca de R$ 150 mil em multas e devolução dos recursos.

Cristo fundou a Igreja sobre a fé de Pedro e garantiu que o poder do inferno nunca poderia vencê-la (Mateus 16,18). De fato, Jesus entrou em conflito com a religião judaica e suas instituições, como as sinagogas e o templo de Jerusalém. Para manter-se radicalmente fiel ao anúncio da Boa-Nova, do Evangelho, Jesus não foi sacerdote, nem funcionário do Templo, nem ostentou cargo algum relacionado com a religião. Também, não foi mestre da Lei. Foi um leigo. E, fugiu de todo poder, se preocupou especialmente em cuidar das pessoas mais pobres e marginalizadas.

Fiel a sua missão Jesus alertou severamente os seus discípulos quanto ao poder constituído da sociedade, ensinando: “Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes os grandes as tiranizam” (Mateus 20,25); e apontou o dedo para os malfeitores religiosos empoderados que exploraram a fé do povo de Deus: “ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócrita! Vós fechais o Reino dos Céus aos homens”.

O Evangelho anunciado por Jesus e sua Igreja fundada sobre a fé de Pedro e dos Apóstolos sabe que nenhum exercício do poder é evangélico, muito menos o poder religioso. Pois, não há nada mais contrário à mensagem de Jesus que o poder. Jesus despojou-se do poder ao rejeitar as tentações no deserto (Lucas 4,1-13) e ao ensinar os seus discípulos que o maior é servir com gesto do lava pés (João 13,1-15). Todo poder é violento, exclui, impõe-se ao outro. O poder alimenta dependência e submissão.

O líder religioso que busca poder e riqueza é porque o centro está em si mesmo, e não mais no Evangelho. Em contraposição, Jesus mostrou que o Evangelho liberta o ser humano e apontou que sua Igreja está para o cuidado e o serviço aos outros, sobretudo os mais necessitados (Mateus 10,42). A única autoridade e riqueza que Jesus admite em sua Igreja é o serviço, o amor feito doação. A Igreja de Cristo combina com isto.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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