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Duas visões, dois relacionamentos

Miguel Debiasi

 

A partir do século XVIII com base nas ideias positivistas a sociedade se estrutura entre forças antagônicas. Perpassa a ideia que essa estrutura antagônica precisa ser mantida para procedermos de forma cívica e ética. O fracasso social e o desmoronamento moral seria romper esta estrutura de sociedade antagônica. Nessa tendência antagônica, o que considerar cívico e ético?

O pensador Augusto Comte (1798-1857) em sua obra Política Positiva, escrita entre 1851 a 1854, influenciado pelo iluminismo francês, elaborou uma teoria de desenvolvimento social que se tornou uma espécie de doutrina para promoção do progresso civil. Para Comte a humanidade teria passado por dois estágios e com o século XVIII entrou num terceiro estágio, agora mais aprimorado, o positivo. Os sinais evidentes de uma nova configuração do mundo foram postos por duas grandes revoluções: a Revolução Francesa (1789-1799) e a Revolução Industrial (1820-1840).

A Revolução Francesa pôs fim ao chamado “Antigo Regime”, o absolutista. Regime este que concentrava a autoridade política na figura do rei, apoiando-se na teoria do direito divino, desenvolvida pelo filósofo e jurista francês Jean Bodin (1530-1596). O rei centralizava as decisões do executivo, legislativo e judiciário, por isso chamado de Regime Absolutista. Com a Revolução Francesa desencadeou-se um período de instabilidade política se prolongando por mais de três décadas, de 1790 a 1820.

Nesse período de instabilidade o país da Inglaterra implementava sua política de instalação cada vez mais de fábricas. Para os historiadores, inaugurava-se a primeira fase da Revolução Industrial, que no século XVIII utilizava, principalmente, o motor a vapor como fonte de energia produtiva.

O efeito adverso da crise política europeia foi a explosão demográfica dos grandes centros urbanos, ocasionando um crescimento desordenado das cidades, acirrando a desigualdade social, a miséria, a fome e as doenças.

Para entender essas complexas mudanças sociais, Comte propôs o desenvolvimento de uma nova ciência, a Sociologia, pois esse período seria o mais intenso da história e mais evolutivo da humanidade. Recorrendo a Sociologia, compreenderia os campos sociais da atuação do ser humano na sociedade. O positivismo seria uma saída para resolver o problema social desordenado deixado pela instabilidade política do mundo.

A política positivista de Comte favorável ao fim do “Antigo Regime”, mas dado o caos que sucedeu a Revolução Francesa, para o filósofo, era perigoso, somente a ordem política e o rigor civil poderiam normalizar o quadro social da França e Europa. Para o filósofo um estudo sistemático da sociedade, feito pela ciência da Sociologia, e da ordem política e social aliado ao pensamento positivista, haveria avanço para a humanidade.

O início do processo de desenvolvimento da humanidade teria iniciado no século XIX e para demonstrar essa evolução humana, Comte elaborou a Lei dos Três Estados, organizada desta maneira:

O Estado teológico – período primitivo em que os seres humanos procuravam respostas para os dilemas da vida em elementos sobrenaturais e irracionais, como a atuação dos deuses, seres místicos e forças sobrenaturais.

O Estado metafísico – período em que surge a Filosofia para substituir as explicações teológicas por especulações baseadas em argumentos lógicos e racionais, impulsionando a busca pelo conhecimento verdadeiro.

O Estado positivo – período em que a ciência baseada na observação rigorosamente metódica seria a responsável por elaborar o conhecimento humano sobre a natureza, busca resposta para a própria natureza.

No Brasil os reflexos dessa teoria política positivista puseram fim à monarquia, da família imperial que governou o país de 1822 a 1889. Em 1889, D. Pedro II sofreu um golpe que culminou em sua deposição e início da Primeira República, período de 1889 a 1930, sob o comando do marechal Manuel Deodoro da Fonseca, militar inspirado no positivismo francês.

Nesse período militar foram constituídos os símbolos nacionais, como a Bandeira e o Hino Nacional. As palavras escritas na faixa central que cobre o círculo azul da Bandeira Nacional, “Ordem e Progresso”, compõem o pensamento positivista que coloca a responsabilidade pelo progresso social na ordem cívica e na disciplina individual e social. Notoriamente, quem teve progresso com a política positivista foi a classe burguesa e a república zelou pela ordem social, sinônimo de promoção da sociedade antagônica, das classes sociais distintas.

O ex-ministro da Suprema Corte, Ricardo Lewandowski em um evento em defesa da Democracia e da Participação Popular no Brasil, em fevereiro, após os ataques de 8 de janeiro aos prédios dos três poderes em Brasília, organizado por muitas entidades populares, dirigiu-se a multidão dessa forma: "Quero começar dizendo que muitos me chamaram de excelência, mas quero dizer que excelência é o povo brasileiro. Visitando a Escola do Movimento Sem Terra percebi do que é capaz o povo organizado. E a escola é um exemplo disso”.

Lewandowski chama o povo de sua excelência pela razão de pensar ideias, lutas, projetos e saídas comuns. A visão de mundo comum é projeto de sociedade mais justa, igualitária e fraterna. O mundo comum é valor e princípio que devem nortear um povo. Quando falamos de uma sociedade democrática, dizemos do povo participando da coisa pública, este é um ideal vivo e que precisa ser construído por todos nós cidadãos do mundo.

Para que a sociedade justa, igualitária, fraterna e democrática se efetive passa por discussões que vão além da forma de governo, processos eleitorais. Ser justo e democrata é ser um lutador em torno da participação do povo, visando um mundo comum, conclui o ex-ministro.

Seja qual for nossa visão de sociedade, que ela seja a melhor e a mais justa possível para todos cidadãos do Brasil e do mundo. Sem dúvida, viver numa sociedade justa é viver na fé do Reino de Deus (Romanos 1,17).

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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