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Deixar para trás esse tempo mítico

Miguel Debiasi

O ser humano está relacionado com o passado. Há um conjunto de acontecimentos relativos ao passado que impactam na formação humana. Alguns acontecimentos ficam registrados como memória. Outros fatos tem sua extensão prolongada com capacidade de evolução e de reinvenção. Passado, história, fatos são significativos mediante a consciência histórica crítica. É preciso nos perguntar: O que nos conduz nesse mundo? 

Iniciamos nossa reflexão nos perguntando: o que é História? História é uma palavra com origem no antigo termo grego “historie” que significa “conhecimento através da investigação”. História é uma ciência que estuda o passado da humanidade e o seu processo de evolução, tendo como ponto de referência um lugar, uma época, um povo ou grupos de indivíduos específicos. Através dos estudos obtém-se um conjunto de informações sobre fatos ocorridos no passado e processos sociais que contribuem para a compreensão do que aconteceu e do presente. História como ciência pode relatar a evolução dos povos, comunidades, grupos e consciência humana.

Os historiadores definem os períodos da história através de um conjunto de acontecimentos. O historiador grego Heródoto é considerado o “pai da História”. A ele são atribuídas as primeiras pesquisas sobre o passado do ser humano, tornando-se pioneiro não só no estudo da história, como também da antropologia e etnografia. O período anterior à História é denominado Pré-História, até cerca de 4000 a.C. Nesse período não havia escrita, para investigar esse tempo histórico, os pesquisadores recorrem a ossos, fósseis, objetos de pedra, arte rupestre e outras fontes materiais.

A História marca o início do período de desenvolvimento da humanidade após o surgimento da escrita e divide-se em quatro períodos: Idade Antiga (Antiguidade); de 4000 a.C. até 476 d.C, com a queda do Império Romano; Idade Média (História Medieval): de 476 d.C. a 1453, com a conquista de Constantinopla pelos Império Turcos Otomanos; Idade Moderna: de 1453 a 1789, quando ocorre a Revolução Francesa, marcada pela ascensão do pensamento racional, desenvolvimento de novas ideologia e fortalecimento do homem como ser de racionalização da humanidade; e Idade Contemporânea: de 1789 até os dias atuais, é caracterizada como período de expansão do capitalismo a todo globo.

Prosseguindo a reflexão nos perguntamos: o que é uma consciência histórica? A consciência histórica dos indivíduos contemporâneos tem um papel fulcral nas suas tomadas de decisões que, por sua vez, influenciam o desenvolvimento pessoal e social. A consciência histórica enquanto um fenômeno puramente humano, cuja operação mental articula passado, presente e futuro como forma de orientação e compreensão das experiências vividas pelo homem no tempo, no espaço, nas diversas circunstâncias da vida prática cotidiana. Isto é consciência histórica, pensa o historiador e filósofo alemão Jörn Rüsen (1938) e a filósofa húngara Agnes Heller (1929-2019).

O filósofo estadunidense Jason Stanley (1969), estudioso do neofascismo dos Estados Unidos, publicou em 2018 a obra: Como funciona o fascismo: a política do “nos” e “eles”. O fascismo enquanto ideologia política surgiu na Itália em 1919, por meio de uma organização paramilitar liderada por Benito Mussolini, que adotou ideais conservadores e reacionários e fundou o movimento que se tornou o Partido Fascista. Os fascistas estiveram no poder italiano entre os anos de 1922 e 1943, sendo retirados, em 1945, com a derrota na Segunda Guerra Mundial. O fascista tem como objetivo o genocídio das raças vistas como inferiores como aconteceu na Alemanha, com Adolf Hitler entre 1933 e 1945, líder do nazismo.

Jason Stanley diz que a política fascista invoca um passado mítico. Em todos os passados míticos há uma estrutura comum, a versão da extrema família patriarcal que reina soberana. O passado mítico era um tempo de glórias, guerras e conquistas, lideradas por generais patriotas, exércitos cheios de guerreiros leais, seus compatriotas ficam aptos e cuja as esposas ficavam em casa cuidando da próxima geração. No presente, esses mitos se tornaram a base da identidade da nação submetida à política fascista.

Na retórica dos fascistas, que consideram nacionalistas extremistas, esse passado glorioso foi perdido pela humilhação provocada pela globalismo, cosmopolitismo liberal e pelo respeito por “valores universais”, como a igualdade, liberdade, tolerância social, política e religiosa, solidariedade, democracia e outros. Esses valores, supostamente enfraqueceram a nação diante dos desafios reais e são ameaçadores para a sua existência.

Essa narrativa mítica, geralmente se baseia em fantasia de uma uniformidade progressiva inexistente, que sobrevive nas tradições em pequenas cidades e campos, os quais permanecem isentos da decadência liberais dos grandes centros urbanos. Essa fantasia mítica é uma linguagem comum presente nos movimentos nacionalistas, mitos fascistas se diferenciam-se com a criação de uma história nacional gloriosa, pensam governar a nação devido às conquistas e em prol do desenvolvimento da civilização. O fascismo se sustenta por uma estrutura particular, a ideologia autoritária e hierárquica.

Essa história imaginária fornece prova para apoiar a imposição de hierarquia presente, dita como a sociedade contemporânea deve ser e agir. Num discurso de 1922 no Congresso Fascista em Nápoles, Benito Mussolini declarou: “Nós criamos o nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que ele seja uma realidade. Nosso mito é a nação, nosso mito é a grandeza da nação. É a esse mito, essa grandeza, que queremos transformar numa realidade total, subordinamos tudo”.

Mussolini deixa claro que o passado mítico fascista é intencionalmente mítico. A função do passado mítico, na política fascista, é aproveitar a emoção da nostalgia para princípios centrais da ideologia fascista: autoritarismo, hierarquia, pureza e luta. A política fascista, de extrema direita, tende a dividir a população entre “eles” e “nós”. O fascismo tende a considerar pura uma raça, uma cultura, um povo, “eles” são os modelos da moral, da religião, do ser cidadão. Os outros são vistos de uma maneira inferior, precisam ser exterminados, porque são o mal da civilização.

Na iminente articulação internacional do movimento fascista, o mundo precisa dizer que é preciso deixar para trás essas ideias fantasiosas, práticas odiosas ..., para a evolução da história pacificada, da humanidade libertada, do indivíduo de consciência histórica e crítica.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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