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A Síndrome de Herodes

Vanildo Luiz Zugno

 

Herodes não gostava de crianças. Mandou matar todas as que tinham menos de dois anos que em seu tempo viviam em Belém e proximidades. Está na Bíblia, lá no início do Evangelho de Mateus. Seu medo era que, entre as crianças, estivesse aquele que poderia derrubá-lo do trono. Seus soldados passaram casa por casa, povoado por povoado, vereda por vereda. Houve um grande pranto em Ramá. Choro e lamentação. Raquel chorava seus filhos e se recusava a ser consolada. Com ela, todas as mulheres, desde as recém paridas até as parteiras mais experimentadas. E, com elas, seus maridos e seus filhos, seus netos e bisnetos. Só escapou um: Jesus, o filho de Maria. E escapou porque um anjo avisou a José para que fugisse com Maria e o menino para o Egito.

Por essa e outras, Herodes também não gostava de anjos. Eram seres traiçoeiros. Não por serem anjos. Anjos são seres do bem. Um anjo nunca faz mal a ninguém. Por que, então, Herodes tinha medo de anjos? Simples: anjos não podem ser vistos. E, sendo invisíveis, não podem ser controlados. E, quem está no poder e a ele se aferra a todo custo, tem medo de tudo que possa fugir a seu controle. Nem os soldados, os mais treinados das forças romanas, cancheados nas mais duras lides da guerra por todo o Império, desde a Bretanha até a Mesopotâmia, conseguiam localizar os anjos e tê-los sob seu domínio.

Tal perigo já havia sido provado por Herodes. Foram os anjos que advertiram os velhos magos do Oriente para que não lhe passarem a informação sobre o lugar do nascimento do menino que viria a ser rei. Com isso, Herodes, além de não gostar de crianças e não gostar de anjos, passou a não gostar de velhos. Não por sua idade. Um velho não é um perigo para um rei. Ou pode ser. Se for na guerra, não é. Mas na sabedoria, com certeza é. O tempo ensina. E quem se deixa conduzir por esse pedagogo, quanto mais velho, mais sábio e mais perigoso para os poderosos. Junto com as dobras da pele e as canas que brilham, a vida ensina a ler os sinais dos tempos. Os velhos distinguem entre o verdadeiro brilho das estrelas do futuro e o fogo-fátuo dos pútridos gases que emanam dos cadáveres insepultos do passado. Os magos não voltaram para Herodes. Tomando o atalho da sabedoria, retornaram ao Oriente.Herodes enviou seus soldados para apresá-los. Mas os cavalos dos soldados não conseguiram alcançar os lépidos camelos dos forasteiros.

E por isso Herodes também não gostava de camelos. São resistentes. Não se deixam vencer tão facilmente. Fazemreservas nos tempos da abundância para usá-los na necessidade e no perigo. São lentos, sim, mas perseverantes e constantes. Assim como os jumentos que cercaram Jesus e o acalentaram com seu hálito na estrebaria de Belém e depois serviram de montaria para a mãe e o menino a caminho do Egito. O jumento só se parece com um burro. Engana-se quem confunde o jumento com o burro. Mas isso não é problemanem solução, nem para o jumento e nem para o burro. Herodesnão gostava nem de um e nem de outro. E neste desgosto estavam incluídas as vacas, as ovelhas, as cabras, as galinhas. Tudo que não fosse animal de guerra, não interessava a Herodes. Só o cavalo valia. E não por ser cavalo, mas por ser montaria para os soldados e tração para os carros de guerra.

De quem então, Herodes gostava? A essas alturas o amigo leitor e a amiga leitora já devem estar se perguntando também. Herodes, na verdade, não gostava de ninguém. Não gostava de crianças, nem de anjos, nem de velhos e nem de animais. Será que ele gostava de si mesmo? Será que chegou a gostar de verdade de alguma das nove esposas que teve? Será que gostava dos sete filhos que com elas gerou? E dos militares que o cercavam? Dos generais, dos coronéis, dos capitães, dos tenentes e sargentos, dos cabos e soldados? Eles estavam por todos os lados. Seu governo era um governo de militares. E um militar nunca confia em ninguém. Confia apenas nas próprias armas e na capacidade de matar. Herodes sabia disso. E por isso, imagino, não gostava dos militares que o cercavam. E eles, num desprazer recíproco, tampoucogostavam dele.

O que a história nos conta, é que o governo do Herodes que não gostava de crianças, nem de anjos, nem de velhos e tampouco de animais, durou pouco. Muito pouco. Foi tão violento e tão incompetente que seu superior, o Imperador Romano César Augusto, enviou-o ao exílio na França, onde morreu no esquecimento. Hoje, Herodes só é lembrado por suas maldades. Esse é o fim de todos os tiranos. Que assim seja. Amém.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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