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Fatos são estúpidos e a saturação da história é perigo

Miguel Debiasi

O pensamento do filósofo, escritor e crítico alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) exerceu grande influência no século XX no Ocidente. Nas décadas de setenta e oitenta Nietzsche publicou muitas obras. A mais conhecida Assim falou Zaratustra (1883) acabou por influenciar o pensamento filosófico, a literatura, a poesia, a arte e a cultura em geral do Ocidente. Seu pensamento crítico nos permite uma leitura do nosso contexto sociopolítico, logicamente, sem a ingenuidade da parcialidade e refutando toda suporta neutralidade de análise.  

Crítico ferrenho da cultura ocidental cristã Nietzsche questionou o rumo da história, os espiritualismos e proclama a “morte de Deus”. Disse que o cristianismo quando serve ao sistema dominador “é vício”. Com essa postura o cristianismo nada mais “é que malsão, em meio à nossa malsã humanidade, do que a compaixão cristã”. Recorda-nos que Paulo tornou-se o maior apóstolo da “vingança”, contra todo tipo de escravidão (Gálatas 4,7). A fé de Paulo é do sim pelo Cristo e do “não-ele-mesmo” (Gálatas 2,20). Paulo em Cristo pregou uma “transvalorização de todos os valores”. O apóstolo Paulo é o espírito que contradiz toda forma de escravidão pela fé libertadora em Cristo. A “morte de Deus” vem da alienação da fé e da manipulação da mensagem do Evangelho. Nietzsche diz que essa experiência cristã precisa ser superada para salvar o cristianismo e a fé em Cristo.  

Contrapondo-se alienação política e moral Nietzsche escreveu a obra para “além do bem e do mal”. Segundo ele a grande política inicia com a crítica que escreveu em seu manuscrito a Vontade de poder sobressai o “o super-homem”. O super-homem “é o destino da terra, que cria, ela sim, o sentido da terra”. Na época essa afirmação de Nietzsche denunciava o nazismo e o fascismo político, do super-homem da Vontade de poder. O Estado conduzido por essa ideia política cheira mal, a idolatria, arbitrariedade. Nessa condição o Estado deixa de existir para que o super-homem dê sentido a terra, as coisas humanas. Aceita essa condição o Estado vive a cruel tragédia com a destruição total da razão. Com essas intervenções arbitrárias e tendenciosas nada é maior e monstruoso do que a idolatria do homem ou do super-homem que mente e que se coloca “além do bem e do mal”.

No conjunto de suas obras como O nascimento da tragédia (1872) Nietzsche denuncia a aceitação extasiada da vida terra e da exaltação dos valores morais do super-homem. Com o enfraquecimento do Estado a história torna-se hesitante, insegura, não podendo crer mais em si mesma. A história não crendo em si mesma, qualquer governo, seja uma opinião pública, seja ainda de uma maioria numérica não contém em si a lógica, a ideia da vitória. Nisso, existe a história monumental, que a história procura no passado os mestres, sábios e as condições para satisfazer suas aspirações. Existe a história antiquária, que a história de quem compreende o passado como sua própria cidade. E, existe a história crítica, que é a história de quem olha para o passado com as interpretações de um justo juiz e condena e abate todos os obstáculos para a realização dos valores coletivos e a realização da justiça social.

No dia 17 de abril de 2016, o deputado corrupto Eduardo Cunha, presidente da Câmara do Congresso Nacional conduziu a sessão mais infame da história política do Brasil, com a cassação da presidente eleita Dilma Rousseff. A cassação abriu as portas para a retirada de direitos dos trabalhadores, para entrega do petróleo, ascensão do fascismo político. De volta a velha política do Michel Temer, ascensão do neoliberalismo do PSDB e DEM e do fascismo político de Jair Bolsonaro, o Brasil retornou: ao mapa mundial da fome, miséria, desemprego, tragédia ecológica e humanitária como indicam os números de mortes pela pandemia.

Na opinião pública internacional destila a descrença sobre o futuro do Brasil pelo sucateamento do Estado e dos serviços públicos, pela crise econômica que levou 68 milhões de brasileiros a miséria e a fome, 93 milhões de trabalhadores sem trabalho, sem previdência social e pela tragédia ecológica, como desmatamento e queimada da Amazônia, pantanal. E, por fim, o governo federal caiu no perigoso “super-homem”, aquele do total cinismo com as questões públicas e coletivas. Nietzsche denominaria a situação brasileira – os fatos são estúpidos e a saturação da história é perigo. É preciso mudar de rumo para o bem do povo brasileiro.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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