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A sabedoria foi reconhecida pelas obras  

Miguel Debiasi

                        

Deus é ação. A natureza está em processo de ação permanente. Os seres vivos estão numa ação contínua. A Igreja é uma comunidade de fé em ação. O ser humano é ação. Tanto isso é verdade que empregamos a linguagem das boas obras. Às vezes, tem-se a ilusão de crer que basta pensar que sejam possíveis realizá-las. Muitas obras parecem desmentir a sabedoria humana. As obras de Deus são o maior ponto de referência da sabedoria.

Antoine-Laurent de Lavoisier (1943-1794) foi um nobre químico francês, teve grande influência na história da química e na história da biologia, e é autor do célebre pensamento: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. As transformações da sociedade historicamente vieram de vilões, comerciantes, fabricantes, trabalhadores de matéria. Há quem pense que as transformações também são frutos da ação do vento, ar, chuva, sol e de todos os tipos de fenômenos naturais. Outros dizem que as grandes mudanças são causadas e provocadas pelas desordens e caos. Todas essas ideias nos fazem compreender o sentido das transformações que de certo modo são fenômenos sensíveis e explicáveis.

Na observação das transformações sociais e culturais, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017) é uma autoridade nesse assunto. Bauman criou o conceito da “modernidade líquida” para descrever as mudanças em relações sociais, econômicas e de produção frágeis, fugazes e maleáveis, como os líquidos. A “modernidade líquida” iniciou-se após a Segunda Guerra Mundial e ficou mais perceptível a partir da década de 1960. Bauman usa o conceito de “modernidade sólida” para referir-se quando as relações que eram solidamente estabelecidas, tendendo a serem mais fortes e duradouras. A “modernidade sólida” caracterizava-se pela rigidez e solidificação das relações humanas, das relações sociais, da ciência, do pensamento e do cuidado com a tradição.

Um fator que colaborou com a transformação e mudanças da modernidade foi a invenção da internet e as redes sociais que intensificaram para Bauman o que ele definiu de amor líquido: a relação pseudoamorosa, a busca por prazer a qualquer custo. As conexões entre as pessoas são laços banais e eventuais, motivo de ostentação. O consumo tornou-se um fetiche como definiu o filósofo e sociólogo alemão Karl Marx (1818-1883). Ao fetiche atribui-se um poder sobrenatural, mágico e a ele se presta culto. O fetiche está presente nas marcas e preços, no status social que é definido por aquilo que o sujeito consome.

O modo pelo qual o capitalismo realiza as mudanças e as transformações estão na perspectiva de promessa de felicidade, isso tem deixado às pessoas mais ansiosas, tristes e sobrecarregadas. A forma rápida de cumprir as promessas é pelo prazer na tentativa de alcançar a felicidade, isto tem desencadeado relacionamentos de superficialidade e conexões desfeitas. Os agentes do mercado oferecem tudo que é produto, todos os incentivos e toda liberdade, até para aqueles que estão excluídos da sociedade. As estratégias de mercado, da sociedade industrial é o consumo a ponto de estimulá-lo até que se transforme em compulsão e vício.

Para o médico, psicólogo, filósofo, dramaturgo romeno-judeu Jacob Levy Moreno (1889-1974), apesar das grandes mudanças e transformações dos últimos século, o homem contemporâneo continua conectado a um modelo tradicional e conservador, que determina padrões de comportamento com relação aos modos de consumo, valores e outros. O homem por medo do novo, aceita os comportamentos limitados e ditados pela sociedade que desumaniza as relações interpessoais tornando-as automatizadas e direcionadas. O homem aprendeu a aceitar as ideias preconcebidas e, apesar de viver a era das transformações, desconstrução de valores, da transformação da cultura e do fracasso de certas ideologias clássicas da sociedade, ainda assim, vive em conformidade com elas.

O psicanalista brasileiro José de Souza Fonseca Filho, observa que no mundo moderno, cada vez menos dá chance ao indivíduo para responder livre e adequadamente a novos estímulos. Quase todas as respostas sociais estão condicionadas por normas e por regras, ocorrendo um bloqueio da espontaneidade, que restringe a capacidade de percepção e criação. O indivíduo passa a ser visto como simples peça de uma engrenagem, sem possibilidades de criar o próprio destino, deixando de ter verdadeira participação na sociedade.

A cultura moderna concebe o ser humano como um ser gestado a partir de um projeto que o emancipa dos entraves de pensamento e de sentimento, de religiões, de crenças e ideologias, de teorias explicativas e superficiais. Este projeto é fruto da própria razão, autogerenciamento de sua realidade, desde as primícias até as consequências de seus atos. O ser humano é um sujeito pleno, capaz de vislumbrar a verdade e a razão como as únicas auxiliadoras necessárias para uma vida equitativa em sociedade.

Na compreensão destes teóricos o ser humano contemporâneo é influenciado por muitas transformações e que ele se constitui através delas. O profeta Isaías diante do povo de Israel que retornava do exílio na Babilônia profetisa que será preciso constituir um povo novo, aquele que é ensinado pelo Deus libertador para viver segundo a justiça de seus preceitos (Isaías 48,17-18). Para o profeta só Deus pode fazer essa grande obra, de conduzir seu povo novamente para uma vida liberta de todas as opressões sociais (Isaías 61,1).

Os séculos se passaram da profecia de Isaías e o povo de Israel teve dificuldade de acolher o projeto da justiça e constituir-se em um novo povo. O projeto divino que liberta de todas as amarras sociais, religiosas, culturais, e políticas é algo exigente à todos os tempos. O próprio Jesus, o Messias anunciado pelo profeta Isaías, foi rejeitado e desprezado pelos dirigentes religiosos do povo de Israel. Sentindo a rejeição de sua mensagem e de sua pessoa, Jesus afirma que a “sabedoria foi reconhecida pelas suas obras” (Mateus 11,19). As obras de Deus são um sinal da verdadeira sabedoria, aquelas que revelam a superioridade e que são intransponíveis. A própria cruz de Jesus Cristo é ação da sabedoria divina, ato único e irrepetível. A sabedoria de Deus realiza sua obra apesar da fraqueza e limitação humana. As ações de Deus são sinais de sabedoria e de elevação do ser humano. Eis a sabedoria que almejamos para melhor agir no mundo.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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