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A participação eclesial exige a descentralização

Miguel Debiasi

 

O tripé da Igreja sinodal: comunhão, participação e missão, busca recuperar o vigor eclesial e pastoral da comunidade cristã contemporânea. A I Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe realizada em 2021 oportunizou resultados teóricos e práticos, indicando novos rumos para consolidar uma maior participação do povo de Deus no processo de evangelização no continente. Os resultados serão significativos mediante a participação de todos os batizados na missão de Cristo.

Iniciamos a reflexão expondo um conceito de participação. A palavra participação vem do latim participatio, que significa “ter parte na ação”. O intelectual paraguaio Juan Díaz Bordenave destaca que o termo participação deriva da palavra “parte”. Em seu sentido etimológico, participação significa “fazer parte”, “tomar parte” ou “ter parte de algo”. A participação tem parte no agir; no fazer parte da tomada das decisões; no pertencimento a um determinado grupo, comunidade e sociedade. Do nascimento à morte, o ser humano participa dos espaços como da família, da escola, do trabalho, da comunidade, da política e outros. A participação é parte da experiência humana, cidadã, eclesial e outras.

Em âmbito social, político e cultural, a participação é um direito humano garantido em lei e fundamental para viabilizar a aplicação de todos os direitos básicos. A essência da sociedade democrática é a participação irrestrita de todos os cidadãos. Pela livre participação os cidadãos manifestam suas ideias e vontades que constroem as coisas públicas. A participação como um direito básico permite aos indivíduos reivindicar, monitorar e influenciar as políticas públicas que dizem respeito ao cotidiano dos cidadãos. Historicamente a América Latina foi continente de governos ditatoriais, e a participação popular está associada à luta pela democracia, por mais direitos políticos, sociais e de cidadania emancipada. Hoje, embora a participação seja um direito garantido pela Constituição Federal, na prática, é preciso de um maior impulso e estímulo para a cidadania participativa.

 

Em âmbito eclesial, pode-se dizer que a participação é um chamado recebido pelo próprio dom do batismo. Pelo batismo o cristão é inserido na comunidade Igreja, lugar de convivência e de participação. A comunidade batismal é lugar da experiência e de vida sinodal, ou da comunhão e da participação. O cristão só vive verdadeiramente como cristão ao participar da vida da comunidade Igreja. A dimensão imprescindível da comunidade de fé em Cristo é sua participação em tudo que envolve a boa-notícia do Evangelho e do Reino de Deus. Entre as muitas dimensões da vida cristã que emergem da Palavra de Deus, é da compreensão que todos os membros, pelo batismo, são chamados a serem partícipes da comunidade do Corpo de Cristo. A Conferência Episcopal de Aparecida (2007) reafirma que todos os batizados são sacerdotes, profetas e reis. Que todas as pessoas são sacerdotisas, profetisas e rainhas (DA 186. 188).

O bispo dom Joaquim Giovani Mol Guimarães da Arquidiocese de Belo Horizonte diz que não há sinodalidade na Igreja sem a participação. A participação é a segunda ordem do Sínodo. E, não há comunhão, primeira ordem, sem a participação. Igreja sinodal sem participação é um engodo. E participar no sentido sinodal não é meramente opinar sobre as decisões e estar entre os contados de forma quantitativa. A participação diz respeito a uma presença qualitativa, de um envolvimento nos processos de evangelização e de ação na transformação da sociedade e na superação das injustiças sociais.

A participação eclesial é um contraponto à clericalização e ao centralismo. A desclericalização eclesial, exigida pela comunhão, corresponde à descentralização, exigida pela participação. A participação como um envolvimento e uma corresponsabilidade eclesial, valoriza não somente as formas de organização e de funcionamento da Igreja, mas os meios de pertença dos fiéis. Pela participação, o povo de Deus nas comunidades de base sente-se envolvido e pertencente ao processo que garante o caminhar sinodal da Igreja. A descentralização eclesial é um grande desafio, porque existe uma cultura do centralismo que tem a haver com o exercício do poder eclesial. Tem-se uma cultura do centralismo clerical, onde todos os colaboradores, líderes, agentes são controlados e acompanhados de perto pelos detentores do poder, pelos membros do clero. O centralismo é uma dimensão forte do clericalismo e envolve o povo de Deus em processo de submissão.

O centralismo clerical, onde tudo acontece ao redor do poder do bispo, dos párocos, dos sacerdotes, é um sinal da precariedade da Igreja sinodal. A insignificante participação do povo de Deus, conferida às comunidades de base, leigos, lideranças, fragiliza as dioceses, as paróquias e ao conjunto da Igreja. Os documentos normativos como o Código de Direito Canônico, Diretórios Diocesanos, Estatutos das Dioceses e Paróquias recomendam a criação dos chamados Conselhos de Pastoral, Econômicos, Coordenações, Setores, Pastorais e outros. Todos esses espaços e organismos eclesiais são fundamentais para a superação do centralismo e clericalismo. Quando organizados à luz do Evangelho esses conselhos e órgãos de pastoral são uma forma de representar e concretizar na prática a Igreja sinodal.

Para caminhar juntos, como diz o termo – sinodal – obviamente, que todos os espaços de organização e de envolvimento do povo de Deus, não podem ficar apenas a nível de tarefa. Os leigos e leigas não serão valorizados em seu sacerdócio comum somente a tratar os assuntos menores e sem importância para a vida da comunidade e da Igreja. A Igreja sinodal não é uma proposta eclesial figurativa e de pouca insignificância na vida do povo de Deus. Na fraqueza dos conselhos e na inexistência de espaços pastorais significativos fortalecem-se todas as formas de clericalismo e centralismo.

A sinodalidade não trata apenas de valorizar a participação do povo de Deus e caracterizá-la como forma de democratização da Igreja. A sinodalidade está em viver a vida cristã sob a luz do Espírito Santo. O Espírito Santo está presente em cada membro vivo da comunidade, ao receber o dom batismo foi ungido para a participação. Se pela comunhão, acontece o desmonte do clericalismo, pela participação acontece o desmonte do centralismo eclesiástico. A sinodalidade é um processo amplo, a participação do povo de Deus envolve pertença e corresponsabilidade na missão recebida de Jesus Cristo. A participação eclesial exige profundas mudanças na Igreja pós-Concílio, como da descentralização do poder, dos espaços, das ações missionárias e muitas outras. 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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