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A missão supera a pastoral da conservação

Miguel Debiasi

 

A última palavra do tripé da Igreja sinodal é missão. A Igreja sinodal missionária na América Latina ainda está distante, uma caminhada a ser construída por processo de conversão pastoral. Sem dúvida a palavra forte da Conferência Episcopal de Aparecida (2007) é conversão pastoral. O caminho para conversão pastoral é a missão. Este é o grande desafio eclesial e pastoral da Igreja Latino-americana.

Nas décadas de 70 a 90 na efervescência do debate eclesial e pastoral do Concílio Vaticano II (1962-1965), a Igreja do continente buscou dar novas respostas pelas exigências intrínsecas brotadas de sua identidade e missão. O balizamento eclesial e pastoral do Concílio Vaticano II foi uma grande alavanca que movimentou a Igreja em busca de renovação e atualização. O povo de Deus, os leigos e as leigas, foram elevados à categoria de protagonistas da evangelização e sujeitos do processo de libertação social. As Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) proliferaram em todas as periferias urbanas e rurais. Encontros intereclesiais das CEB’s foram organizados e vivenciados em nível, diocesano, estadual e nacional. Organizou-se um grande núcleo de coordenação e de fomento das pastorais sociais. A pastoral da juventude e os movimentos dos jovens chegaram ao seu auge na Igreja. Muitas outras iniciativas pastorais foram empreendidas nas comunidades eclesiais e paroquiais no espírito do Vaticano II. Nessas iniciativas o espírito missionário pulsava no coração do povo de Deus com toda energia do Evangelho.

No horizonte do terceiro milênio a Igreja está ciente de suas novas circunstâncias a nível interno e externo. A nível interno, propriamente de clero, na sua maioria não estudou e assimilou as decisões do Concílio Vaticano II. Há uma geração sacerdotal que não viveu o tempo e o espírito do Concílio, em contrapartida, fortaleceu a clericalidade e a pastoral da manutenção e da conservação. As atividades pastorais mais destacadas e valorizadas são as litúrgicas e as celebrações sacramentais. Em dimensões externas, a Igreja deparou-se com um pluralismo religioso, onde a tradição religiosa perde importância para a vida cristã. Frente a perda de fiéis para outras comunidades religiosas e para a indiferença religiosa, reagir a este movimento tem sido um enorme desafio por parte da Igreja.

Há um cenário religioso de muitos desafios. Desafios estes que estão ligados ao campo do apostolado e da missão. A missão é uma palavra que acompanha toda a história da Igreja e do cristianismo. Jesus escolheu seu primeiro grupo de discípulos e discípulas e os enviou ao mundo para viver a sua missão (Marcos 6,7-13). Ciente da dificuldade e da necessidade de viver sua missão, Jesus escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou à sua frente para todas as cidades, povoados e comunidades para levar sua palavra, a boa notícia do Reino (Lucas 11,21-24). Jesus se encarnou para realizar a missão do Reino de Deus, por isso, convoca homens e mulheres para participarem de sua missão universal redentora (João 18,36).

No percurso da história a Igreja cumpriu a missão de Jesus Cristo através de muitos métodos e práticas. É verdade que muitas experiências de missão foram executadas de forma impositiva e opressora, sem valorização das culturas evangelizadas. A palavra missão ganhou grande motivação para implantação da Igreja, consequentemente, a divulgação de sua doutrina religiosa e moral. A preocupação primeira dessa missão foi a catequização, associada às pregações voltadas para a salvação das almas. Por outro lado, desde os primórdios da Igreja há também proféticos missionários e em tudo foram libertadores, transformadores da sociedade e enriquecedores de culturas. Os apóstolos e os primeiros cristãos se inscrevem nessa experiência diferenciada. Hoje, há tantos sacerdotes, religiosos, leigos e leigas que se doam livremente para a missão de Cristo, fazendo de suas vidas verdadeiras experiências de amor ao próximo e aos mais necessitados da caridade e da libertação.

A Igreja tem a firme convicção que não existem cristãos sem missão. Mais, não há cristianismo sem missão. A missão é alma da Igreja e do cristianismo (Lucas 9,1-6). Hoje, a principal atividade eclesial e pastoral da Igreja é viver a missão de Jesus Cristo no mundo (Marcos 16,15-18). Para Jesus, a sua Igreja em todos tempos e contextos é missionária. A Igreja será missionária quando suas comunidades, movimentos e pastorais forem missionárias. O ponto de partida da conversão pastoral da comunidade e da Igreja é entusiasmar-se diariamente para a missão de Cristo.

O caminho da Igreja sinodal é a missão. Hoje, percebe-se das várias situações problemáticas que impedem a Igreja avançar nessa perspectiva eclesial e pastoral. Os trabalhos da Igreja estão mais para a manutenção das práticas eclesiais e pastorais que atravessaram séculos, muitas dessas nem sequer foram renovadas e atualizadas. Há um esforço clerical para salvar a pastoral de conservação ou de manutenção, onde apenas o clero e alguns leigos e leigas conseguem atuar e participar das rotineiras atividades e tarefas da Igreja. A pastoral da conservação ou de manutenção impede de pensar uma proposta e um projeto de Igreja povo de Deus. Na defesa de velhas práticas reduz-se a vida e a força da comunidade povo de Deus. Nega-se o dom batismal e ação do Espírito Santo presente em cada batizado.

A I Assembleia Eclesial da América Latina reafirma o Vaticano II: a Igreja sinodal é a Igreja missão. Para o Papa Francisco, é a Igreja em saída, contra toda estrutura e mentalidade de conservação. Toda prática e postura que impede a Igreja missão tem poder de desanimar o povo de Deus. A missão do Evangelho rompe todas as concepções e limites da Igreja apequenada na capela, comunidade, altar e na circunscrição eclesiástica. Somente a missão de Cristo torna a Igreja presente no mundo, no meio dos pobres, colaborando com a libertação dos oprimidos e transformando a sociedade. A missão conduz a vida cristã para o mundo de maneira mais nobre, plena, na alegria do Evangelho. Os limites da Igreja da conservação só serão superados pela missão evangélica e profética dinamizada pelo povo de Deus.

 

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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