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Comunidade: o paraíso a ser conquistado

Miguel Debiasi

 

Um pouco antes do filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman (1925-2017) escrever O mal-estar da civilização, Sigmund Freud (1856-1939), médico e criador da psicanálise, publicou um pequeno texto intitulado O futuro de uma ilusão. As duas publicações marcam uma nova era na prática da psicanálise e de análise da cultura pós-moderna. Pode-se dizer que os dois pensadores constatam algo que falta à sociedade contemporânea e para a realização do indivíduo, o sentimento de pertença à comunidade.

O futuro de uma ilusão e O mal-estar da civilização são escritos que oferecem muitos elementos para a reflexão e o debate sobre o mundo moderno. As obras fazem críticas ao sistema capitalista que propõe um convívio humano que não passa de um arranjo entre duas faces: uma, dita era emancipatória do indivíduo; a outra, é um tempo coercitivo das pessoas. Em outras palavras, ao propor a emancipação de alguns a sociedade secular exige a supressão de outros. A revolução industrial fez isto com a humanidade. Para alguns a liberdade e autonomia econômica, e para milhões uma rotina de fábrica, sendo governados e conduzidos por tarefas competitivas e repletas de incertezas e inseguranças.

O verdadeiro resultado do sistema capitalista é uma constante tensão social entre duas classes, com indivíduos que vivem na inércia da massa, verdadeiros objetos manipulados. E, de outra parte, outros bem sucedidos com autonomia, liberdade, garantia de viver sua plena individualidade. Com efeito, para a sobrevivência deste modelo capitalista exige-se a destruição dos padrões de vida comunitária, ou seja, a negação de qualquer organização dos indivíduos explorados. O autocontrole feito pelo sistema é forte a ponto de fazer de milhões de pessoas guetos de massa trabalhadora. O modelo de sociedade capitalista é a-comunitário, em que pulsam relações sociais e humanas de insegurança entre as pessoas. A revolução industrial constitui-se num grande terremoto social, dos deslocamentos, desencaixes e desenraizamentos, diz Zygmunt Bauman.

O pensador desfere críticas à proposta do mundo capitalista moderno que submete a maioria a situações sociais mais adversas, aos ambientes frios e impessoais das fábricas, através do regime de comando, vigilância e punição. Esta situação leva ao advento das massas sociais e ao desmoronamento da comunidade. Na constatação do sociólogo e economista Marx Weber (1864-1920) o capitalismo moderno levou à separação entre os negócios e o lar. Na prática, isso significou a separação entre os produtores e as fontes de sobrevivência. Em outras palavras, o capitalismo não se preocupa com a justiça distributiva diante das desigualdades sociais.

O capitalismo, no dizer de Marx e Engels, “derrete todos os sólidos”. As comunidades autossuficientes e autorreprodutivas foram liquidadas. Os laços comunitários da dignidade e do valor das pessoas foram submetidos à autoafirmação individual, e para a maioria esta condição é irrealizável. Logo, seria muito ingênuo esperar que o capitalismo que gera diariamente empobrecidos conservasse o espírito comunitário. O projeto comunitário está posto ao desaparecimento para transformar a humanidade numa sociedade de dominados.

Então, Zygmunt Bauman alerta que enquanto não houver uma justa distribuição de recursos, de bens, de direitos, gera-se segregação, ódio, intolerância, insegurança social, sinônimo de um mundo desregulado, competitivo e repleto de incerteza. O sistema capitalista é volátil e mutante e induz ao distanciamento, à indiferença, e isenção ética dos afortunados. O resultado último é o rompimento e o banimento da comunidade como lugar e espaço de vida compartilhada e de cuidados mútuos. Ao sistema atual importa o resultado, o dinheiro. Essa é a proposta dos bem sucedidos que, aliás, impede que os empobrecidos se reúnam em comunidade e vejam as injustiças e denunciem o contrassenso do presente sistema. Logo, o impedimento da vida de comunidade, o paraíso a ser conquistado, segundo Zygmunt Bauman.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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