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Cio da Terra: o Woodstock gaúcho perdido na história de Caxias

Mateus Frazão e Marlon Lima

Texto de de Mateus Frazão e Marlon Lima, alunos do Curso de Jornalismo da UCS

Foto: Vera Damian/Acervo Pessoal

O ano é 1982. Ao passo que o governo militar definhava em um Brasil em gradual
processo de redemocratização, movimentos sociais, sindicais e estudantis ganhavam maior visibilidade. O concomitante surgimento de partidos requeria a reorganização de grupos e entidades que visavam consolidar ideologias para recompor o quadro político que viria a gerir o futuro formato administrativo após a ditadura.

Na época, legendas de esquerda buscavam formar apoiadores por meio de jovens e estudantes, cujos perfis eram mais propensos a defender ideais antagonistas ao próprio modelo de gestão do governo militar. Com isso, tornou-se comum a realização de eventos culturais que estimulavam a reunião de simpatizantes do comportamento “anticonservador”. No Rio Grande do Sul, a mais simbólica das mobilizações ocorreu nos dias 29, 30 e 31 daquele ano. Aos moldes do famoso Woodstock, Caxias do Sul sediou o “Cio da Terra”. Na ocasião, cerca de 15 mil pessoas compareceram aos Pavilhões da Festa da Uva, e durante o fim de semana permaneceram acampadas no espaço, presenciando shows e atividades que, direta ou indiretamente, incentivavam o debate político.

Prestes a completar 35 anos da realização do festival, um dos participantes, Alvaro
Garcia, relata a má recepção que houve na cidade.

— Eram em torno de 150 mil habitantes, tinham costumes de moradores de uma pacata e conservadora cidade e a divulgação ficou restrita junto ao meio estudantil. O grande público não ficou sabendo. Quando aquela multidão chegou, foi algo apocalíptico.Houve até campanha para que os pais não deixassem seus filhos saírem de casa naquele final de semana.

Também presente, Lucimar Maitelli cultiva boas lembranças da época. Apesar do viés político intrínseco, para ela, o que sobrepôs foi a experiência de imersão proporcionada pelo evento.

- Restou para nós uma memória afetiva, lá se constituiu um outro mundo dentro da própria cidade. É como se tivéssemos sido abduzidos para outro plano e precisássemos guardar tudo que vivenciamos para nós mesmos, pois não tínhamos com quem compartilhar no dia seguinte – relata a empresária.

Ela respalda a manifestação de que o evento foi mal visto pela sociedade caxiense.

— As pessoas desdenhavam “cabeludos” e supostos “maconheiros” e diziam que se via a fumaça do centro (de Caxias). Para piorar, na ótica conservadora da população, a maioria dos presentes era de fora da cidade, poucos caxienses participaram.

Em contraponto ao tom de lamento em razão da falta de repercussão local, a jornalista Vera Mari Damian relata que o evento foi a consolidação de um movimento forte surgido naquele ano.

— O Cio da Terra foi um tempo de liberdade que começou bem antes daqueles dias. Aconteceram vários eventos preparativos (em Porto Alegre) ao longo daquele ano e a grande tribo se reunia sempre – conta.

Apesar do momento político conturbado, ela acrescenta não acreditar que mobilizações semelhantes pudessem ocorrer hoje em dia:

— Eu vejo muitas iniciativas acontecendo atualmente, mas em pequenos grupos. Não parecem tão pulsantes como antigamente. Por isso também não se percebe a explosão de um movimento, como se notava na época. Não acho possível refazer um Cio da Terra nos mesmos moldes. As pessoas perderam a inocência e a confiança nos desconhecidos e no desconhecido.

Para Alvaro e Vera, se trata, de fato, de um momento perdido na história, mas não esquecido na memória de quem pôde vivenciar a ocupação livre de um dos espaços mais tradicionais da industrial e conservadora Caxias do Sul.

— Tudo ocorreu num clima de harmonia e fraternidade. Todos compartilharam comida, bebida e muita marijuana. Não houve brigas ou algum tipo de violência. Foi uma experiência única! Não tinha a consciência que estava participando de um momento histórico — ressalta Alvaro.

— Fiz fotos do amanhecer no acampamento depois de uma noite em claro. Para mim, elas registram a sensação do momento, de como se tivéssemos aterrizado em outro planeta. Talvez até fosse mesmo, naquele momento, um planeta de amor e de paz. E de muito compartilhamento – recorda Vera, nostálgica.

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