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Procuramos independência

Vanildo Luiz Zugno

O mês de setembro inicia com a festa pátria maior: a Independência do Brasil. Literalmente, a não-depência. No caso, a do Brasil em relação a Portugal. O curioso desta data é que, olhando no detalhe, foi o contrário. Quando Pedro I, empurrado por José Bonifácio e Dona Leopoldina, decidiu ficar no Brasil, foi Portugal quem se tornou independente do Brasil. De fato, desde 1808, quando as tropas de Napoleão entraram em Lisboa e os ingleses evacuaram a Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, todas as decisões que necessitassem do beneplácito real eram tomadas no Brasil. Lisboa passou a ser periférica e dependente do Rio de Janeiro. O que os portugueses queriam – maiormente os lisboetas saudosos do fausto e das benesses da corte – era o retorno do rei a Portugal. Quem buscava a não-dependência era Portugal! Parece irônico, mas é assim que foi.

Com aquela cena que Pedro Américo, quase 80 anos depois, pintou numa colina que não existia à margem do Ipiranga no qual a água mal corria, Portugal e Brasil passaram a ser dois países independentes governados pela mesma família Orleans e Bragança. E, num regime monárquico, a nação é o rei, ou seja, a família real, como bem o expressara Luiz XIV: “L’état c’est moi!” Com o grito (ou seria um outro som inominável?) do Ipiranga, Portugal e Brasil estavam na estranha ficção de dois países governados pela mesma família e sob os mesmos interesses. Não os próprios, é claro, mas o da Inglaterra que, nos bastidores, tudo administrava, até os oficiais militares ingleses que dirigiam as tropas brasileiras nas batalhas contra os portugueses.

O mais famoso deles, foi o Lorde Thomas Cochrane. Nascido na Escócia, destacou-se nas Guerras Napoleônicas e, aproveitando a fama, inventou a notícia de que Napoleão havia morrido, o que provocou uma supervalorização na Bolsa de Londres de ações que ele comprara por um valor insignificante. Descoberto seu golpe, foi julgado, chicoteado em praça pública, preso e, na prisão, eleito para a Câmara dos Lordes. Os britânicos também têm gosto por figuras estranhas na política!

Para não ter que enfrentar outros julgamentos, partiu para a América do Sul onde, em troca de um bom dinheiro, chefiou a marinha do Chile, depois a do Peru. Tudo ia muito bem para ele até ser contratado, em 1923, para chefiar a marinha do recém proclamado Brasil. Junto com outro oficial inglês, John Taylor, através de uma série de blefes e mentiras e sem nenhum combate real, garantiu a adesão da Bahia, Maranhão e Pará ao novo governo do Rio de Janeiro. O novo Império, no entanto, tardou a reconhecer plenamente sua contribuição. Dom Pedro I jamais pagou o soldo acordado pelos serviços. Não pelo fato de Dom Pedro I ter decretado sigilo de cem anos sobre as suas relações com os militares ingleses.

O fato é que Dom Pedro I preferiu governar Portugal e retornou para o Velho Continente deixando esta parte dos territórios da família Orleans e Bragança sob o cuidado de regentes até que seu filho atingisse a maioridade. E, quando este assumiu o trono, decidiu não reconhecer a dívida contraída pelo pai. Talvez seja por isso que, até hoje, as filhas dos militares recebem pensões vitalícias que todos nós pagamos mesmo contra a nossa vontade.

Até a sua morte em 1860, Lorde Cochrane ficou esperando a recompensa que, afinal, só foi acordada aos seus dois filhos em 1875: 4,5 milhões de libras no valor atual, ou seja, algo em torno a 27 milhões de reais. Como podemos ver, desde a sua proclamação, a Independência é um bom negócio para os militares. Por isso, talvez, eles gostem tanto de festejar a data. Independentemente de quem esteja no governo, mesmo que tardando, eles sempre ganham. Enquanto isso, o povo marcha...

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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