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Num mundo em conflito, Todos Irmãos!

Vanildo Luiz Zugno

 

De tanto surpreender-nos, o Papa Francisco já não surpreende ninguém! A  novidade que, desde o início de seu pontificado, emerge a cada pronunciamento e texto publicado, fez com que nos acostumássemos com o novo que se renova e nos surpreende a cada vez.

Não foi diferente com sua última encíclica, a Fratelli Tutti. Ele já vinha cozinhando o assunto há tempo. A primeira parte, a que trata das relações da humanidade com a Casa Comum, resultou na Encíclica Laudato . Faltava a segunda partesobre as relações entre os humanos, no nível internacional e dentro de cada nação. Agora aí está. É a segunda encíclica social de Francisco. Se a Laudato  inovou ao tratar pela primeira vez num documento papal da questão ecológica, a Fratelli Tutti retoma a intuição original do Ensino Social da Igreja ao abordar os dilemas econômicos e sociais que afligem a sociedade.

Pela forma e pelo conteúdo, ela é herdeira de um longo processo que começou em 1891, com a primeira encíclica social, a Rerum Novarum do Papa Leão XIII. No final do séc. XIX, a Europa vivia o caos do liberalismo econômico que havia criado riquezas como nunca antes na história da humanidade ao custo de milhões de homens, mulheres e crianças forçados a viver na mais absoluta miséria ou obrigados a migrar para outros continentes em busca de melhores condições de vida.

Em reação ao liberalismo, surgira o movimento operário e suas expressões políticas socialistas e comunistas que se elevavam no horizonte como um fantasma aterrador. O caos parecia estar à porta. E, de fato, estava. A voz firme e serena do Papa Leão XIII não foi ouvida e a Europa mergulhou na Primeira Guerra Mundial.

Os acordos de 1918 não significaram o fim dos problemas. Como não se foi à raiz econômica e social, os conflitos do capitalismo encontraram expressão nas ideologias totalitárias. Outra vez a voz da Igreja se se fez ouvir. Em 1931, o Papa Pio XI, na Encíclica Non Abbiamo Bisogno (Não Temos Necessidade) condenou veementemente o fascismo. Seis anos depois, em 1937, o mesmo Papa, na Encíclica Mit BrennenderSorge (Com Grande Preocupação), condenou o nazismo. No mesmo ano, a Encíclica Divini Redemptoris (O Divino Redentor), condenou o comunismo. O alerta não foi ouvido e o mundo mergulhou na Segunda Guerra Mundial com suas catastróficas consequências.

E, mais uma vez, como o problema de fundo não foi resolvido, o fim da guerra não significou a instauração da paz. O conflitocontinuou na Guerra Fria que dividiu a humanidade em duas partes em constante tensão. Em 1963, o Papa João XXIII, na Encíclica Pacem in Terris (Paz na Terra), lembrava ao mundo que a paz de todos os povos só seria alcançada na base da verdade, justiça, caridade e liberdade.

Caminho difícil que os poderosos renegaram. A Guerra Fria se transmutou em guerra econômica global e a humanidade, ao invés de caminhar para a integração e harmonia, é arrastada para a beligerância e caos de um neoliberalismo em que os seres humanos são, ao mesmo tempo e apenas, consumidores e mercadoria.

Na Fratelli Tutti, o Papa Francisco, retomando a intuição de Francisco de Assis, convida a redescobrir que cada ser humano, distante ou próximo, é nosso irmão e com ele somos convidados a conviver na fraternidade e na amizade. Teremos disponibilidade para ouvir a voz que clama no deserto dos poderes deste mundo? A esperança me diz que sim. oresalismo me faz temer...

A cada um de nós o desafio de dar resposta e trabalhar para que ela se torne real no nosso dia a dia e no mundo todo.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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