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E depois da guerra?

Vanildo Luiz Zugno

A chamada Segunda Guerra Mundial foi a última grande guerra que teve como palco de conflitos o Velho Continente. A Guerra Fria resultante da polarização entre o mundo capitalista sob a hegemonia dos Estados Unidos e os países socialistas sob a tutela soviética deslocou os conflitos para as periferias. Coreia, Cuba, Vietnam, Camboja, Birmânia, Guatemala, El Salvador Nicarágua, Angola, Moçambique, Argélia, Iêmen, Colômbia, Afeganistão... a lista de conflitos é infindável com milhões de mortos que ultrapassaram em dezenas de vezes os que morreram, todos os lados somados, na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais. Mas como eram mortos da periferia, eram apenas números e, muitas vezes, subestimados para que a crueldade dos reais patrocinadores não chamasse a atenção.

Apenas como exemplo, nos Estados Unidos, a guerra do Vietnam só se tornou insustentável quando os caixões começaram a desembarcar aos milhares nos aeroportos norte-americanos. Foram em torno de 60 mil soldados mortos e mais de 200 mil feridos. Do lado vietnamita, estima-se em um milhão e duzentos mil soldados mortos e dois milhões de civis também vítimas fatais da guerra. Ao todo, mais de três milhões de mortos. A Guerra da Coreia havia deixado aproximadamente o mesmo número de mortos entre os nativos e o mesmo número entre os soldados norte-americanos.

No levantamento “How Death Outlives War: The Reverberating Impact of the Post-9/11 Wars on Human Health” (Como a morte sobrevive à guerra: o impacto reverberante das guerras pós-11 de setembro na saúde humana) produzido pelo Watson Institute International & Public Affairs, da Brown University da cidade de Providence, Estado de Rode Island, estima-se que a Guerra ao Terror consequente aos atentados do 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas de Nova Iorque, tenha resultado em pelo menos 4,5 milhões de pessoas mortas  no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Síria, Iêmen, Líbia e Somália. Agregue-se a esse número de por si assustador os milhões de refugiados que foram morrer nas costas do Mediterrâneo ou no Mar do Norte.

O perigo da guerra só assustou a Europa quando, nos anos 1990, a desintegração da antiga Iugoslávia resultou numa série de conflitos étnicos. Mas o conflito foi visto, majoritariamente, como um resquício da barbárie comunista que não passaria da periferia do civilizado Ocidente.

O cenário mudou quando, em 22 de fevereiro de 2022, a Rússia, reagindo às provocações da OTAN, ocupou partes do território ucraniano com maioria da população russófila. O conflito que todos achavam seria breve, prolonga-se por mais de dois anos e ganhou escala internacional com o envolvimento, direto ou indireto, das grandes potências econômicas, políticas e militares do mundo. Todos os atores sabem que um passo acima no envolvimento da OTAN no conflito pode levar a graves consequências para a Europa.

Mais recentemente, é o conflito na Faixa de Gaza preocupa o Ocidente. A Faixa de Gaza não está na Europa. Mas está na esquina da Europa. E Israel é um enclave ocidental no Oriente Médio. A aposta do governo israelense de aproveitar a ocasião do ataque do Hamas para regionalizar o conflito, pode extrapolar a própria região e chegar à Europa.

Há muitos conflitos bélicos no mundo. Estima-se em 50 as guerras ativas no mundo. Mas as que chamam a atenção, hoje, do mundo, são as duas últimas citadas que se tornaram guerras “gameficadas” do ponto de vista dos expectadores, mas que seguem sendo tristes carnificinas para os que as sofrem, tanto soldados como civis.

Quando estas guerras vão terminar? Difícil saber, infelizmente. De Gaza e da Ucrânia pouco ou nada restará. Serão regiões destruídas e que necessitarão serem reconstruídas totalmente. Infraestruturas de transporte, energia, saúde, educação, agrícolas... tudo terá que ser refeito a um custo que já está sendo calculado por aqueles que ganham com a destruição e esperam ganhar outro tanto com a reconstrução.

Mas há algo que não poderá ser reconstruído: as vidas humanas. Tanto as vidas perdidas como as vidas dos sobreviventes que permaneceram nos locais ou que puderam fugir para longe. Como serão suas vidas depois das guerras?

A cada dia buscamos nos diversos meios informações sobre as guerras. O rádio, a televisão, os jornais e portais só falam da capacidade ou incapacidade de um ator dobrar o outro e forçá-lo a aceitar a derrota. Mas poucos se perguntam pelas vítimas presentes e pelas vítimas futuras destas guerras.

Talvez seja a hora de se fazer a pergunta: e depois da guerra, o quê? O que será das pessoas e dos povos depois de tanto ódio e violência? Poderão voltar a conviver como vizinhos? Voltarão a ser amigos como o foram em tempos passados? Ou o ódio e a destruição tomaram para sempre conta dos corações das pessoas estendendo-os por gerações e gerações? Que futuro queremos para a humanidade? Os patrocinadores das guerras já têm as suas respostas que divulgam a cada dia pelos meios de comunicação e pelas redes digitais. É hora de dizer não a essas respostas e começar a espalhar novas possibilidades de convivência entre povos e nações.

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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