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O fascínio do medo

Gislaine Marins

O fascínio do medo
O medo é uma sensação fascinante. Não por acaso, é um dos fenômenos mais conhecidos na literatura, descrito desde a Antiguidade, por meio do conceito de catarse - a sensação de terror que sentimos ao assistir a uma história que não é a nossa, mas poderia ser. A gente se identifica com o horror e experimenta a sensação de medo, pensando por um momento que poderia ser conosco. Mas não é!
O medo acontece em presença da possibilidade, não do fato real. Não podemos ter medo na hora da dificuldade: quando o fato se nos apresenta, é encarar ou fugir.
São bastante claros os motivos pelos quais a política explora o medo. Enquanto estamos hipnotizados por essa sensação, não pensamos nos fatos, na realidade, mas no que está por vir. Isso funciona ainda melhor quando o medo é explorado entre aqueles que não sabem que podem ser manipulados por este sentimento, porque não estudaram ou não se acostumaram a colocar em prática aquilo que é história, cultura e teoria.
Sejamos claros: o medo pode ser explorado para o bem ou para o mal. Podemos amedrontar, avisando das possíveis consequências dos nossos atos, ou podemos aterrorizar chantageando as pessoas. Quem avisa, amigo é. Quem chantageia é um canalha.
Vivemos a era do medo. Sim, há muita realidade batendo na nossa cara, mas nós, acostumados a pensarmos em nós mesmos como povo devotado ao futuro, vivenciamos especialmente o medo. O medo de que possa acontecer o que não desejamos e o medo de que se não fizermos algo, haverá consequências a pagar.
Tenho para mim que a medida de um bom governo se mede pelos avisos, não pelas ameaças. Compreendo, porém, que quem vive sob medo muitas vezes tem dificuldade para diferenciar o conselho do ultimato.
Tenho também para mim, que as leituras que fiz ao longo da vida foram úteis para ilustrar as muitas possibilidades que a vida nos oferece. Sim, todos podem fazer escolhas. É isso que nos distingue dos animais, cujas únicas opções são matar ou morrer. Diante da sobrevivência não cabe o medo. Portanto, se tememos, paradoxalmente, já demos o primeiro passo para entender que podemos dar um passo além: não ficarmos à mercê de manipuladores, assumindo coerentemente as nossas escolhas com o destino que teremos ter e não com aquele que nos querem dar.
Podemos escolher a vida e não apenas uma batalha insana pela sobrevivência. Podemos, com grandes esforços e sacrifícios, fazer valer a humanidade da nossa vida. Podemos fazer valer a nossa fragilidade, podemos ver que é isso e não a vã onipotência que nos caracteriza como homens. O humano é intimamente ligado ao medo, porque não vivemos para sobreviver ou para ter uma vida sobrenatural. É humano sentir medo, é humano superá-lo.  

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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