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Minha mentira de estimação

Vanildo Luiz Zugno

“A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”, disse um dia Mário Quintana. Não sei o que levou o poeta a cunhar a expressão. Mas hoje, mais do que nunca, no contexto avassalador de notícias mentirosas, as ditas fake news, ela dá o que pensar.

Verdade que notícias mentirosas sempre existiram. A história da comunicação, comprova-o com facilidade. Desde as pinturas rupestres até as redes sociais. Nossos ancestrais das cavernas, para impressionar seus amigos e assustar os inimigos, exageravam no tamanho dos animais que caçavam ou na quantidade de mulheres que estavam sob seu domínio. Uma visita às grutas de Altamira ou à Serra da Capivara demonstra de forma cabal que as fake news estão no DNA da humanidade. O que os modernos meios fizeram – imprensa, rádio, televisão, internet – foi potencializar aquilo que antes se fazia no boca a boca, na cerca da vizinha, no boteco da esquina, no banco da praça, no púlpito da igreja, na sombra da figueira.

Um exemplo clássico são os jornais televisivos. Se, num mesmo dia, assistimos aos noticiários da noite das várias redes de televisão aberta, parece que cada uma delas vive uma realidade diferente. Na atual crise da Covid19, se você assiste à rede “A”, com certeza terá a impressão de que a pandemia não existe; na rede “B”, basta ir até a farmácia da esquina e comprar um vermífugo e tudo está resolvido; na rede “C”, a informação é de que a vacina já está disponível para todos; na rede “D”, depois do Boa Noite sorridente dos apresentadores, você liga para a funerária e encomenda o caixão porque a morte de todos os brasileiros, você incluído, é inevitável.

O rádio não foge deste paradigma. E os jornais tampouco nos oferecem uma verdade mais objetiva. Mas o que é verdade? Aí é que mora o problema... Tomás de Aquino, dizia que “a verdade é a adequação entre o intelecto e a realidade”. Podemos ler esta frase de duas maneiras. A primeira, é afirmando que, para chegar à verdade, a nossa mente deve adequar-se ao que está acontecendo ao nosso redor. A segunda, também possível segundo o filósofo e teólogo medieval, é a de que a verdade é a adequação da realidade à nossa mente.

Para o santo, a verdade só se alcança com o equilíbrio entre as duas perspectivas. Esquecer de um dos lados, induz inevitavelmente ao erro. As fake news são uma prova do acertado da análise do doutor da Igreja. Elas se limitam a adequar a realidade à mente humana. São construídas para oferecer às pessoas a versão da realidade que elas gostariam que fosse verdadeira. Em outras palavras, elas dizem às pessoas o que elas gostariam de ouvir. Por isso é tão difícil convencer o vizinho, o amigo, o tio, a tia, o primo, o irmão, o cunhado..., de que a notícia que eles receberam e passaram adiante no grupo da família ou do bairro é falsa: “Mas como é falsa, se é nisso mesmo que eu acredito?” E quando, com fatos e dados, você prova que aquilo não é verdadeiro, vem o argumento fatal: “Se não foi assim, poderia ter sido e, se não aconteceu, ainda pode acontecer”.

O propagador de fake news não tem a consciência de ser mentiroso. Ele simplesmente tem a convicção de que a realidade deve espelhar o que a sua mente pensa e deseja. Para o propagador de notícias mentirosas, a verdade é uma mentira que infelizmente aconteceu e deve ser negada. Ele tem sua mentira de estimação. Ele a ama. Vive para ela. E por ela é capaz de morrer e, se preciso for, capaz de matar.

Que nos salvem os poetas e os santos!

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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