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Falar é muito perigoso

Vanildo Luiz Zugno

 

Guimarães Rosa, em seu clássico “Grande Sertão Veredas”, colocou na voz de Riobaldo uma frase que lembra o trágico da vida. Diz o cangaceiro: “Viver é muito perigoso: sempre acaba em morte”. Parece óbvio. Mas o óbvio, quando pensado, choca. Todos os que estamos vivos, um dia morreremos. Como? Não sabemos. Quando? Também não. Cada ano, cada mês, cada dia, cada hora, cada minuto, cada segundo, pode ser o instante de nossa morte. Por isso, segundo ele, a vida é uma “travessia perigosa, mas é a vida”.

Mas há algo mais que o simplesmente viver. Segundo o filósofo da caatinga, “o mais difícil não é um ser bom e proceder honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra”. Se bem entendi a frase, o desafio é estabelecer a relação entre o que somos, o que queremos ser e o sentido que damos àquilo que vivemos. O que estabelece a coerência entre os três elementos – ser, querer ser e dar sentido ao viver – é a palavra. Por isso, se “viver é muito perigoso”, falar também é algo que precisa ser feito com muito cuidado, pois também pode ser muito perigoso.

Martin Heidegger, com toda a seriedade da filosofia alemã, dizia o mesmo que Riobaldo: “A linguagem é a morada do ser”. É ela que nos permite sair da inércia das coisas e passar a sermos no mundo junto com os outros compreendendo o sentido da própria existência e da vida dos que conosco caminham perigosamente entre a vida e a morte.

Fernando Pessoa afirma que a nossa verdadeira pátria não é um território ou um Estado. Nossa Pátria é a Língua que falamos. Dizia ele não chorar por nada que a vida trouxesse ou levasse. Mas odiava a escrita mal feita, errada, criminosa, que deturpa “a palavra que também é gente”.

Atrevo-me a acrescentar à frase do poeta luso um artigo definido feminino singular: “a palavra que também é a gente”. Faço isso pensando numa altercação de Jesus com os fariseus onde ele, tomado de raiva, os desafia: “Raça de víboras, como podem vocês, que são maus, dizer coisas boas? Pois a boca fala do que está cheio o coração. Mas eu lhes digo que, no dia do juízo, os homens haverão de dar conta de toda palavra inútil que tiverem falado. Pois por suas palavras você será absolvido, e por suas palavras será condenado”.

Para Jesus, são as palavras que pronunciamos as que revelam o espírito que habita em nosso interior. Se é o Espírito de Deus ou o espírito do diabo. Para saber quem é uma pessoa, basta estar atento às palavras que saem de sua boca e, como dizia Riobaldo, ir “até o rabo da palavra” para descobrir a casa e a pátria em que essa pessoa mora.

De fato, falar, assim como viver, é muito comprometedor. É uma travessia perigosa. Mas essa é a vida!

Sobre o autor

Vanildo Luiz Zugno

Frade Menor Capuchinho na Província do Rio Grande do Sul. Graduado em Filosofia (UCPEL - Pelotas), Mestre (Université Catholique de Lyon) e Doutor em Teologia (Faculdades EST - São Leopoldo). Professor na ESTEF - Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Porto Alegre)."

 

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