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Alcoólicos Anônimos: relatos além do anonimato

Baixar Áudio por João Pedro Varal Tartari

Esta quinta, 07/07, marca o aniversário de 43 anos do AA em Marau

Foi há 43 anos. Em meio ao inverno de 1979, duas pessoas buscaram ajuda no grupo que se reunia em Passo Fundo. O nome dessas pessoas? Não foi revelado para o repórter que escreve este texto – e muito menos é importante para entender esta história.

Na verdade, esse anonimato não é por acaso. Isso porque, em 07/07/1979, surgiria em Marau o grupo de Alcoólicos Anônimos (AA), que passaria a se reunir periodicamente. A turma já circulou por diversos espaços, mas, atualmente, realiza reuniões semanais às segundas-feiras, a partir das 20h, na sala 363 do prédio do Salão Paroquial.

O objetivo? Manterem-se sóbrios e ajudarem outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade.

Esses ideais não surgiram aqui. O AA é um grupo internacional que surgiu em junho de 1935 do encontro do médico William D. Silworth e do corretor da bolsa e ex-alcoólico Bill W. Este último escreveu como conheceu a bebida em meio aos confrontos da Primeira Guerra Mundial. O texto se chama “A História de Bill” e está documentado no livro base do grupo, “Alcoólicos Anônimos” ou “Livro Azul”, como foi carinhosamente apelidado aqui no Brasil.

“A febre da guerra estava no auge na cidade da Nova Inglaterra para onde nós, jovens oficiais de Plattsburg, havíamos sido transferidos”, conta. “Ali estavam o amor, o aplauso e a guerra, momentos sublimes entremeados de alegria. Eu fazia, finalmente, parte da vida e, em meio à excitação, descobri o álcool. Esqueci-me das severas advertências e dos preconceitos da minha família em relação à bebida. No devido tempo, embarcamos para a Europa. Eu me sentia muito sozinho e, novamente, voltei-me para o álcool.”

Mais tarde, no mesmo capítulo, o estadunidense conta como a quebra da Bolsa de Valores em 1929 fez com que sua situação se agravasse. “Depois de um daqueles dias de terror, saí cambaleando de um bar de hotel para um escritório de corretagem. Eram oito da noite, cinco horas após o fechamento do mercado”, relata, antes de anunciar sua falência. “A bebida deixara de ser um prazer: tornou-se uma necessidade. Duas garrafas, muitas vezes três, de gim barato, por dia, tornaram-se rotina. De vez em quando, uma pequena transação rendia-me centenas de dólares e pagava minhas contas nos bares e mercearias. Aquilo não tinha fim, e comecei a acordar muito cedo, pela manhã, tremendo violentamente.”

Mas esta história tem um final feliz. Nas páginas seguintes, ele conta com dois movimentos ajudaram a fazer com que superasse a doença do alcoolismo: um deles, mais geral, foi o contato com um forte trabalho médico de reabilitação. O segundo, mais pessoal, foi o apelo à religião. “Várias vezes fui, desesperado ao meu antigo hospital. Lá, conversando com alguém, me sentia revigorado e equilibrado. Este é um programa de vida que funciona nos momentos difíceis.”

Bill faleceu em 1971, mas a ideologia que ele ajudou a criar seguiu.

Prova disso é que, atualmente, o AA está espalhado em 186 países, sendo que sua literatura base já ultrapassou 11 milhões de edições em circulação. Em Marau, o grupo atende cerca de 15 pessoas.

Desde cedo 

Tive contato com o “Livro Azul” após uma conversa com um dos integrantes do grupo de Marau, contato que tive enquanto produzia esta reportagem. Em nossa conversa, assim como em outros relatos que ouvi, ele contou que histórias como a de Bill, infelizmente, são comuns. Muitos alcoólicos começam a beber desde cedo.

Este foi o caso de Marcello. O nome, claro, é fictício, mas ele contou sua história (real) durante o programa Temática aqui da Tua Rádio Alvorada. “Eu comecei a beber ainda adolescente”, começa o seu relato, “justamente, a gente começa nessa fase, com grupo de amigos, adolescentes, aí começa a descobrir, começa a frequentar as festas, as boates – e a bebida tá sempre circulando por aí”.

“Eu fazia isso na época de solteiro, muita festa, muito baile, muita boate, era um boêmio, né, e a bebida foi tomando cada vez mais espaço na minha vida.” Mas, apesar do que Marcello havia pensado que aconteceria, isso não parou quando se casou. “Eu passei a beber em casa. Eu não saía mais nos bares. Saía com a mulher, né, mas aí, quando eu saía com a mulher, ia jantar – e eu sempre bebia.”

Ele ainda relata que bebia muito mais em casa sozinho. “Como é uma doença progressiva, eu tinha a necessidade de beber cada vez mais”, conta, dizendo que, “a princípio, bebia de noite, de meio dia e tal, e foi aumentando essa necessidade: eu passei a beber de manhã, cada vez mais cedo, e, no fim, eu bebia, assim, as 24 horas por dia”. 

“Era um estado, assim, que não podia durar muito”, relata Marcello. “Eu, a princípio, fiz um tratamento, né, de desintoxicação no hospital, com um psiquiatra, com tratamento, com tudo. E aí o psiquiatra recomendou, que foi aí que eu entrei na irmandade de Alcoólicos Anônimos.”

O processo de cura

O relato de Marcello foi complementado pelo do companheiro de AA, Walter – outro nome fictício para respeitar os princípios do grupo e manter o anonimato. Também em entrevista concedida ao Temática, ele explica como funciona o processo de recuperação dos alcoólicos.

Ele conta que a busca de um médico e a constância nas consultas colabora para a melhora. Segundo o integrante do AA, a recuperação através do Alcoólicos Anônimos “fica mais difícil se a pessoa não tiver uma internação, que, geralmente, ela funciona como uma desintoxicação do organismo, então a pessoa fica mais favorável a seguir o programa de Alcoólicos Anônimos”. 

Walter ainda relata que o médico é muito importante como princípio, não como fim. “Praticamente, ele prepara o doente para o Alcoólicos Anônimos continuar a sobriedade”

Já dentro do grupo, o processo é de acolhimento. “As pessoas vão lá, ouvem os relatos da doença, do passado de alcoolismo de cada um, e sabem também como as pessoas conseguiram parar (estacionar, que nós chamamos) essa doença, e as mudanças que essa pessoa teve a partir do estacionamento do álcool.”

“Nós temos prazer de ajudar essas pessoas no sentido de mostrar pra pessoa que a solução existe”, complementa Walter.

24 horas

Um dos princípios básicos que regem o grupo é chamado “24 Horas de Serena Sobriedade”. O propósito é que o alcoólico evite o primeiro gole, forma de parar definitivamente de beber. Segundo Marcello, o princípio funciona por trabalhar com o momento presente. “É só por hoje, amanhã eu não sei, mas, por hoje, eu faço minhas 24 horas”, explica.

Ele ainda define o método como uma radicalização da abstinência. “Nós sabemos que nós não vamos ficar no primeiro gole, a gente vai escalar, a gente vai beber mais e a gente vai voltar. Então, esse propósito diário, ele é essencial para nós.”

Walter também fala sobre o assunto. Segundo ele, a ideia surgiu com os cofundadores dos Alcoólicos Anônimos Mundiais. “Acharam por bem fazer uma caminhada de 24 em 24 horas. Então, toda vez, vai se renovando essas 24 horas – e tá funcionando bem”

Segundo Walter, isso acontece por ser uma medida mais branda para quem está ingressando em AA. “Pra pessoa que tá começando, não dá uma coisa radical, assim, você nunca mais pode beber. Então você vai ficar 24 horas – e essas 24 horas vão se multiplicando automaticamente.”

A ideologia proposta pelo AA ainda conta com 36 princípios, 12 passos e 12 tradições para se combater o alcoolismo. Todos esses preceitos estão expressos no livro “Alcoólicos Anônimos” e nos demais materiais produzidos pelo grupo.

Fazendo contatos

As reuniões de recuperação do AA são abertas e acontecem, semanalmente, às segundas-feiras, a partir das 20h. O grupo se reúne na sala 363 do prédio do Salão Paroquial. O acesso fica localizado na Rua Padres Capuchinhos, de frente para o Convento.

Também é possível entrar nas reuniões online do AA. Elas ocorrem diariamente, entre 20h e 22h. É possível se inscrever acessando o site institucional https://www.aaonline.com.br/. Marau está na área 44RSP, que é a mesma de Passo Fundo.

Caso seja necessário um direcionamento específico, também é possível entrar em contato com a central de atendimento em Passo Fundo. O número para contato é o (54) 3311-9365.

Por fim, vale lembrar dos dizeres que abrem o “Livro Azul” dos motivos para buscar ajuda:

Alcoólicos Anônimos® é uma irmandade de homens e mulheresque compartilham, entre si, suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolverem seu problema comum e ajudarem os outros a se recuperarem do alcoolismo. 

O único requisito para ser membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de A.A., não há taxas ou mensalidades; somos autossuficientes, graças às nossas próprias contribuições.


Para ouvir a entrevista, clique em 'ouvir notícia'. O botão com acesso para o áudio está localizado acima da foto. ​

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