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Quatro anos em um dia

por João Pedro Varal Tartari

Entenda pelo que passaram os calouros marauenses que tiveram que mudar ou cancelar o curso para o qual já tinham pago a matrícula no último dia antes das aulas

Foto: Divulgação/Canva

A hora de voltar às aulas chega sempre com um sentimento de mudança para os alunos. No ensino superior, isso reflete em toda uma nova rotina, que inclui ajustes no trabalho, nos horários de lazer e, até, nas mais simples atividades diárias. 

Para os estudantes que ingressam neste novo universo, então, o momento é único: pode ser de concretização de um sonho, de chegada da vida adulta, de começo da tão sonhada carreira... As possibilidades variam de pessoa para pessoa. O que é constante, porém, é que esses primeiros dias são de conexão – com possíveis futuros colegas de trabalho e com a profissão que se escolheu seguir e estudará nos próximos quatro anos. 

Mas o que foi sinônimo daquele friozinho na barriga de animação para muitos, virou motivo de uma ansiedade e angústia para outra parte dos calouros. Tudo isso por conta de uma única mensagem, que chegou em cima do horário.

 


Boa tarde, tudo bem? 

Tenho um aviso importante para te passar. Infelizmente não houve abertura de turma de primeiro nível no curso [que você escolheu]. Nós temos a oportunidade de você ingressar em [um outro curso] que é uma área afim e depois que abrir turma, você pode solicitar a troca de curso. 

Fico à disposição!


 

Enviada na tarde da segunda-feira, 13/02, que antecedia o retorno às aulas, marcado para 14/02, a mensagem tinha como destinatários alunos de cursos que não tiveram turmas abertas na Universidade de Passo Fundo (UPF). A instituição, contudo, já havia cobrado matrícula e primeira mensalidade (quitadas em janeiro) daqueles para quem a mensagem havia sido enviada. 

Pelo menos dois estudantes marauenses foram envolvidos nesta situação e receberam as atualizações em horários diferentes. Em conversa com a Tua Rádio Alvorada, eles deram detalhes sobre como eles tiveram que resolver quatro anos de graduação em um dia. 

Para evitar possíveis represálias da instituição, dados pessoais de ambos foram omitidos da presente reportagem. Os nomes aqui apresentados são fictícios e têm por função facilitar a compreensão dos fatos relatados.

13/02/2023, 12h30 

Até a meia hora da segunda-feira que antecedia a volta às aulas, Maria acreditava que tudo estava certo para começar um semestre de muitos estudos na Escola de Ciências Agrárias, Inovação e Negócios (ESAN) da UPF. Material comprado. Cadastro na Associação dos Universitários Marauenses (ASSUMA) em ordem para poder usar os ônibus. E a ansiedade de, pela primeira vez, viajar a Passo Fundo como estudante. 

“Por ser um curso menos conhecido, digamos assim, meu pai foi meio contra por um tempo”, ela conta sobre a escolha da faculdade, “eu também não tinha muita firmeza naquilo”. Ela conheceu o curso na UPF e percebeu que era o campo que gostaria de seguir. “Realmente, a área que eu me via atuando no futuro.” 

Maria lembra o momento em que recebeu o contato, por volta das 12h30, em seu número de WhatsApp. “Estava indo lavar a louça, após o almoço”, comenta. Foi quando a ficha de que ela não poderia seguir com o curso caiu, e a estudante conta que se sentiu desesperada e frustrada. “Na hora me deu vontade de chorar.” 

A mensagem padrão usada para notificar os alunos sobre a não abertura de turma oferecia outro curso como alternativa para permanecer na instituição. Mesmo com valores de matrícula e mensalidade superiores àquele no qual Maria já estava inscrita, ela cogitou a troca e notificou o contato que conversava com ela. 

Ela recebeu a resposta por volta das 16h30. “Entendo. O quanto antes [tomar a decisão] seria melhor, pois as aulas iniciam nesta semana.” E, realmente, as aulas começavam no dia seguinte.

13/02/2023, 16h40

Em um intervalo de 10 minutos de diferença, outro estudante receberia uma mensagem muito similar. Rafael também acreditava que tudo corria certo com seu cadastro no Instituto de Humanidade, Ciências, Educação e Criatividade (IHCEC) da UPF. Isso até receber uma mensagem de outro número ligado à instituição. 

“Eu vi logo que acordei de um sono da tarde”, explica, “já estava naquela ansiedade de primeiro dia quando me avisaram”. A mensagem chegou por volta das 16h40 e foi respondida em cerca de três minutos. 

A novidade também foi frustrante para o estudante. “Eu fiquei bem desanimado, porque fiquei desde o vestibular empolgado com a ideia desse curso. E também foi toda uma briga interna para tomar coragem e fazer um curso que eu realmente queria.” Ele ainda conta que pensava em começar a faculdade em questão justamente por abranger uma área maior da profissão em que pretende seguir. 

A mensagem enviada a Rafael também oferecia uma outra possibilidade de curso para seguir na Universidade. A formação ofertada também possui um custo maior que aquela em que ele estava inicialmente matriculado. 

Apesar da negativa, em um primeiro momento, o estudante aceitou realizar a transferência. Ele também já tinha quitado os valores da matrícula e da primeira mensalidade, ao que deve ser cobrada uma diferença dessas despesas iniciais.

23/02/2023, 13h00

Diferente de Rafael, Maria não aceitou seguir dentro da instituição. “Eu cancelei a minha matrícula na UPF – no caso, estou tentando cancelar e ressarcir esse dinheiro.” 

Tentar, aqui, não é figura de linguagem. Ainda no dia 14/02, ela decidiu anular a matrícula e pedir esses valores de volta. Ela manifestou essa vontade para o número que realizou o contato avisando sobre a não abertura de turma e recebeu a seguinte resposta:

 


Caso não tenha interesse na reopção de curso, você pode solicitar o ressarcimento do valor já pago e o cancelamento da matrícula pelo e-mail [email protected]. No e-mail você menciona que deseja cancelar pois seu curso não abriu turma de primeiro nível. 


 

Maria enviou o e-mail no primeiro dia de aula da UPF, em horário próximo às 13h. Desde então, não obteve nenhuma resposta da Universidade. “Eles não me deram certeza de nada. Literalmente, quando eu fui entrar nesse assunto, ela só falou ‘manda e-mail aqui’.” 

Até o momento da publicação desta reportagem, a situação seguia sem resposta definitiva.

24/02/2023, 10h10

A Tua Rádio Alvorada buscou a Universidade de Passo Fundo para esclarecer o prazo apertado no qual foi dado o aviso da não abertura de turmas. A instituição informou que “o remanejamento de turmas, que é o termo correto, é um processo administrativo da Instituição. Isso ocorre a cada semestre e é um processo interno da Universidade.” 

Ainda segundo a UPF, essa é uma questão interna. “Cada caso é observado e os alunos são avisados individualmente.” 

Em conversa extraoficial, funcionários da instituição afirmaram que a universidade tinha a informação da abertura ou não de uma turma de uma a duas semanas antes do início das aulas. Os dados são de período anterior ao da pandemia de COVID-19 e da mudança do funcionamento do vestibular. Questionada sobre uma mudança no tempo em que aconteceria essa confirmação, a instituição reforçou que “esse é um processo administrativo e interno, e varia conforme cada processo seletivo”. 

A universidade ainda foi questionada com relação a casos similares ao de Maria. Segundo a instituição, o caso se trata de “uma questão individual com um acadêmico” e deve ser tratado por meio do e-mail [email protected], do e-mail [email protected] ou do telefone 3316-7000.

Perdas e danos 

Segundo a advogada especialista em direito civil Maria Luciana Tonial, o caso pode ser analisado conforme o disposto no artigo 389 do Código Civil – que aborda a não prestação, total ou parcial, de um serviço. “A UPF, no momento em que disponibilizou as vagas para estes estudantes, assumiu a obrigação de fornecer o curso, para isso eles se matricularam, pagaram a primeira mensalidade e criaram a expectativa de iniciar o curso superior”, explica. 

Nos termos deste artigo, uma vez que não foi cumprida a obrigação por parte da UPF, ela responde por perdas e danos. “A perda é os valores que os estudantes pagaram pela matrícula e pela mensalidade e por outras despesas a mais que porventura tenham tido”, explica Luciana. 

“Quanto aos danos, eles podem ser materiais (que, no caso, está, também, representado pela perda) e podem existir danos morais. Por exemplo, quando o estudante criou toda uma expectativa quanto ao início do curso e [esta] foi totalmente frustrada com o ‘agir’ da UPF.”  

A advogada ainda explica que essa categoria também pode estar associada à ideia de perda de uma chance. “Com o curso superior os estudantes teriam maiores chances de ingressar no mercado de trabalho mais competitivo – e, pelo ‘agir’ da UPF, não tiveram esta chance.” 

Como as duas situações possuem diferenças entre si, Luciana também analisou cada uma individualmente. No caso de Rafael, como a transferência foi aceita, tudo ficaria resolvido. “A UPF fez o que deveria ter feito, possibilitou a continuidade em outro curso, o estudante aceitou e fica tudo certo” afirma Luciana. “A lei sempre prefere o ‘consenso’ ao conflito e, uma vez que as partes envolvidas se entenderam, tudo fica resolvido.” 

O caso de Maria se enquadra, justamente, com o disposto no art. 389. Isso porque, ao não cumprir com a obrigação da abertura da turma, a UPF responde pelas perdas que o estudante teve. “No caso, a devolução da matrícula e da primeira mensalidade e, se for o caso, a indenização por dano moral.” A advogada reforça que a questão do dano moral ainda tem de ser aprofundada e é possível que seja resolvida através de processo judicial.

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