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Sal da Terra e Luz do Mundo

Miguel Debiasi

A Igreja no Brasil instituiu o período de 26 de novembro de 2017 a 25 de novembro de 2018 como sendo Ano do Laicato, considerando os cristãos leigos e leigas como “sal da terra e luz do mundo” (Mt 5,13-14). O tema do laicato é pertinente para o momento da Igreja no Brasil. Certamente, há incentivo da participação dos leigos e leigas, mas a situação atual leva a pensar e rever as relações, estruturas e modelos de Igreja.

Devido à importância do Ano do Laicato a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou no seu site um documento disponível a todos, que articula a temática do laicato em três capítulos, sistematizada no método ver-julgar-agir. O primeiro capítulo apresenta a multiplicidade de rostos, carismas e formas de participação dos leigos e leigas na caminhada da Igreja e na sociedade. No segundo capítulo, com elementos teológicos, bíblicos e eclesiológicos, disserta sobre a compreensão do laicato como sal e luz: “Vós sois o sal da terra. Vós sois a luz do mundo”. Este julgar resgata a visão do Vaticano II da tríade da eclesiologia que sustenta a Igreja: Templo do Espírito Santo (LG 4), Corpo de Cristo (LG 7) e Povo de Deus (LG 9), que é constituída da comunhão na diversidade e enriquecida com o sacerdócio comum dos leigos e leigas. Já o terceiro capítulo indica o agir por uma Igreja comunidade missionária: leigos e leigas fazem a experiência da transformação pessoal e dos contextos a partir do amor a Cristo e aos pobres. Em suma, o documento apresenta a vocação laical revestida de mística, espiritualidade e de missão transformadora, tanto da Igreja como da sociedade.

O conteúdo e a tônica central do documento é a caracterização do compromisso de leigos e leigas em seu campo de missão: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura” (Mc 16,15). A princípio levar o Evangelho é a missão especial dos cristãos leigos e leigas. Contudo, na conjuntura de passividade da Igreja, muita significativo seria se clero e laicato atendessem o apelo do papa Francisco por uma “Igreja em saída”. Todavia, algo atrapalha o em saída da Igreja como a acentuação da diferença entre clero e leigos, o peso das estruturas e modelos eclesiais, a passividade do laicato frente à evolução da valorização da hierarquia, etc.

Para o teólogo José Comblin (1923-2011) a Igreja sofre influência da sociedade feudal e global. No passado, em sociedade feudal o clero foi se afirmando como classe dotada de privilégios, dízimos, imunidade judiciária, imunidade fiscal, grandes propriedades. Com isso estabeleceu a divisão entre classes: clero e leigos. Devido a esta divisão a Igreja passou a se identificar: “A Igreja são os padres”. Isto trouxe graves consequências para a Igreja com uma divisão consumada. Atualmente, a autoridade continua com o clero e, aos leigos, nenhum direito e poder na Igreja.

Em tempo presente a Igreja sofre influência da ideia de uma sociedade global. Nesta sociedade o elemento mais importante é a centralização do poder e do controle, e na Igreja destaca-se sobremaneira a hierarquia. Neste modelo de Igreja leigos e leigas cristãos ficam impedidos de qualquer iniciativa, como acontece na comunidade paroquial em que predomina o sistema de autoritarismo. Para Comblin, no modelo paroquial os leigos estão incorporados e totalmente envolvidos em uma instituição que não depende em nada deles. Tudo recebem de cima para baixo e praticamente não têm nenhuma iniciativa. Tudo o que se lhes pede é que colaborem com as iniciativas dos párocos.

Seja qual for o modelo eclesial ideal, contudo, atualmente observa-se uma passividade muito grande na Igreja. O papa Francisco denuncia esta passividade ao dizer que o padre precisa ter “cheiro de ovelha”. A passividade leva a valorizar a hierarquia e o laicato fica mais desemparado e empobrecido em sua missão eclesial e cristã. A Igreja precisa superar estes antagonismos entre clero e leigos. Em contrário, reproduz o sistema dominante da sociedade feudal e globalizante, em que poucos são os mandatários e muitos os espectadores impassíveis.

O pertinente debate da temática e da missão do laicato poderá levar à compreensão da Igreja numa comunidade cristã sem a separação do clero e do laicato. Nisto, ser sal da terra e luz do mundo torna-se possível, em contrário permanece-se no período pré-conciliar em que o laicato está na condição de passivo e de desamparado, e o clero adornado de obsessão hierárquica. O Ano do Laicato poderá tornar real a missão de ser sal da terra e luz do mundo, desde que estejamos dispostos a quebrar estes antagonismos, estruturas e espaços que separam a comunidade cristã, clero e leigos.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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