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Comida, feriados e futebol

Miguel Debiasi

 

A fé cristã quando profética faz do Evangelho uma vida profética. Ensina-nos a ver a realidade de distintos ângulos. A percebermos as experiências diferentes. A vermos os dessemelhantes. Discernirmos certos núcleos orientadores. A descobrirmos a diversidade de diálogos. A congregarmos força em torno de uma necessidade coletiva. A fé cristã profética faz pensar a vida humana a partir do lugar que nasceu o Evangelho, dos de baixo.

Muitos estudiosos com numerosas obras descrevem o nosso momento histórico: do imperialismo norte-americano. Se existe esse imperialismo leva-nos a perguntar qual é seu poder de conquista? Quem são os submetidos ao imperialismo? Quando buscamos um conceito de Império, logo associamos ao do passado como de Roma. Alexandre Magno (356 a.C. 323 a.C.), rei do reino grego antigo da Macedônia, preparou as condições políticas e militares para instalar o Império Romano que inicia com a vitória de Otaviano sobre Marco Antônio, depois declarado Imperador Augusto, em Accio na Grécia, no ano de 31 a.C. A partir desta conquista o Império Romano concentrou poderes e adesões políticas de nações, povos, reinos em troca da Pax Romana, a Paz Romana. O Império foi estendido como política institucional que conquistou todo o mundo, da Península Ibérica ao Oriente Médio. O Império de Roma dominou o mundo em prol da “paz” dos povos que estendeu seu domínio político de 27 a.C. a 476 d.C., durando 503 anos e teve como fim a destituição de Rômulo Augusto.

Ao longo da história da humanidade houveram muitos Impérios como o Império Bizantino, Romano, Português, Espanhol, Russo, Persa, Otomano, Chinês, Asteca. Nosso país também teve seu Império, do Brasil Imperial, com início em 07 de setembro de 1822 – quando ocorreu a “Independência do Brasil” e que teve seu fim em 15 de novembro de 1889, com a Proclamação da República. Tudo leva a crer que estes Impérios não serão os últimos da história da civilização. Para muitos teóricos hoje vivemos sob o domínio do “Imperialismo Norte-Americano” com sua configuração política, econômica, militar e cultural. O Imperialismo Norte-Americano se constituiu num poder geopolítico e econômico unificado globalmente pela força do mercado e pelas bases militares instaladas em regiões estratégicas dos continentes. A sua unificação imperial ocorre na dependência política e econômica dos povos dominados culturalmente e países subdesenvolvidos.

O 24º Concílio Geral da Associação Mundial de Igrejas Reformadas, realizado em 2002 em Accra, Ghana, produziu um documento que deu outra definição de Império: “Império é a convergência de poderes econômicos, políticos, culturais, militares e religiosos, em um sistema de dominação que impõe o fluxo de benefícios do vulnerável ao poderoso. O Império cruza todas as fronteiras, distorce identidades, subverte culturas, subordina nações-Estado, e marginaliza ou coopta comunidades religiosas”.

O Império ocorre pela conformação particular de poder e o que a caracteriza são as forças econômicas, certas organizações políticas, militares e religiosas, pela estrutura de governo que estão destinadas a controlar-se mutuamente com o objetivo de anular a vigência de outros poderes e ou surgimento de opções diferentes. Com essa colaboração dos submetidos o Império instala-se pela conformação das elites que produzem alianças e poderes que permitem relativizar todos os poderes concorrentes e converter o poder público em uma reserva restrita dos interesses dos que dominam a sociedade. Hoje o Império Norte-Americano impõe domínio no Ocidente e pretende avançar no Oriente a partir da investida militar e econômica para o desequilíbrio dos países emergentes e desenvolvidos como Índia, China e Rússia.

A mentalidade imperial avança de passos largos nos ocupantes do poder nacional. Segundo o Auditório do TCU – Tribunal de Contas da União, de 2019 a 2021 o governo Bolsonaro gastou pelo Cartão Corporativo R$ 21 milhões em comida e para curtir feriados e futebol. O governo Bolsonaro gastou neste período R$ 2,6 somente com comida, certamente, não foi com arroz, feijão, batata doce, radite e repolho. No Palácio da Alvorada, residência oficial do Presidente da República e do Palácio do Jaburu, do vice-presidente, são gastos em média 96,3 mil por mês em comida e o restante dos 21 milhões foram para curtir feriados e futebol, informa o TCU.

Minha fé cristã diz que isso é um escárnio com milhões de brasileiros passando fome diariamente e que não conseguem comprar um quilo de pele de galinha para uma sopa. A consciência de fé diz que esta mamata é uma caçoada, chacota, zombaria vendo milhões de desempregados e pais de famílias que são submetidos a longas horas de trabalho por míseros R$ 1.200,00 e tantos outros vendendo rapaduras e água nos semáforos. No Império da Alvorada e Jaburu não há ética cristã, inexiste vontade pública de construção do país com dignidade coletiva, enquanto os privilégios pessoais são elevados. A história da civilização denuncia que todo Império legitima seu poder exigindo duro sacrifício do povo, dos dominados (1Samuel 8,10-18). No nosso caso, parece-nos que os sacrificados dão sinais claros que não suportam esse sistema por longo tempo, pois estão famintos, sem leite, sem combustível, sem trabalho, sem previdência social, endividados e muitos outros tormentos.

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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