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A ciência principalíssima

Miguel Debiasi

A Grécia Antiga pensou a política como um instrumento de mediação para governar a cidade ou pólis, para fazer história e para organizar a civilização. Nesta compreensão a atuação política baseia-se na ética na justiça. Com base nessa concepção grega é preciso ressignificar a compreensão e atuação da política do Estado moderno. Visto que políticos estão distantes da concepção política dos gregos, por isso, corrompem-se autoridades e poderes.

Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, concebe a política como ciência no sentido mais alto. O filósofo compreende a política como a ciência principalíssima do ser humano. Isso não no sentido absoluto, mas no gênero das ciências práticas que tratam de todos os assuntos e negócios humanos. Platão, em sua obra A República, apresenta a política como a ciência por excelência. Porém, somente os sábios estão aptos a fazer uso dela para governar a pólis ou a cidade-Estado, pensava Platão. A partir dessas condições, na Grécia Antiga o indivíduo não era concebido individualmente, mas apenas como membro da pólis ou cidade. Logo, a política está em servir aos cidadãos de uma cidade, de um Estado, a corrigirem todas as injustiças, como idealizava Aristóteles, Platão e a comunidade grega.

Na Idade Média a política foi ganhando outro valor. Maquiavel, na obra O Príncipe, publicada em 1532, concebe a política como um poder absoluto, inabalável. Concebe o poder político como uma atividade humana que exige o reconhecimento e à gratidão por parte dos súditos. Hobbes, na obra Leviatã, publicada em 1651, pensa a política por um Pacto Social, um acordo entre todos, onde os direitos são ilimitados pela sobrevivência e satisfação das necessitadas das pessoas, sejam limitados em prol de uma autoridade maior e soberana. Esta autoridade maior e soberana tem a função de organizar a sociedade, distribuindo os recursos de acordo com as possibilidades e necessidades, garantido a todos a vida e a paz social. Na perspectiva dos pensadores modernos percebe-se uma outra concepção da política, justificada pela manutenção da paz social, meio de assegurar a vida dos indivíduos. Com isso, a política perdeu seu papel de mediação para chegar-se a uma cidade ética e justa como pensava filósofos e os cidadãos da Grécia Antiga.

A Revolução Francesa utilizou-se da política como um meio para a ascensão da burguesia e de seus interesses econômicos. Como um instrumento de recriar o mundo e de fazer história idealizada na liberdade, igualdade e fraternidade. Dessa forma, a política tornou-se a práxis, sobretudo dos militantes nobres, da burguesia. Próximo aos nossos dias o movimento “geração 80”, pensava a política como um instrumento de luta dos cidadãos. O próprio Movimento pelas Diretas Já na década de 80 fez da política a luta pela democracia, onde levou milhões de brasileiros tomarem as ruas das capitais do país. Passadas quatro décadas deste Movimento, a luta pela defesa da democracia poderá definir as eleições gerais de 2022. Em suma, a política contemporânea ainda está distante de organizar e governar o Estado, e servir-se da ética pública e da justiça social.

Parece-nos que a política sem ética e sem justiça é um problema do Estado brasileiro. Este é um problema que vem se agravado com o golpe parlamentar de 2016. Com a interrupção do mandato da presidente Dilma Rousseff, a atividade política deslocou-se para os interesses da classe burguesa, deixando de ser mediação para o bem comum da nação. Os fatos pós-golpe atestam o fim da política como a ciência principalíssima do ser humano e da cidade ou Estado. Os atores envolvidos neste problema nunca compreenderam a política como a ciência principalíssima, mas como meio de chegarem a usufruir dos poderes e bens públicos em seu próprio benefício. Estes atores são responsáveis pela morte da política, da ética, da justiça, pior, de colocarem o Brasil numa posição de mal-estar frente à comunidade internacional.

A problemática tem seus responsáveis, deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, que chantageou a presidente Dilma com golpe do impeachment, mas que em seguida foi condenado e preso por corrupção. Michel Temer, vice-presidente da república, antes de assumir o segundo mandato de Dilma já tramava nos restaurantes de Brasília com seus subordinados o golpe parlamentar, que também acabou sendo preso por corrupção e hoje em liberdade responde a vários processos. O coordenador da Operação Lava-jato, juiz federal Sérgio Moro obcecado pelo poder e pretensões de chegar à presidência da república abriu denúncia contra inocentes, no frigir dos ovos acabou sendo julgado de parcial pela opinião pública e pelo Supremo Tribunal Federal. Hoje como ex-juiz e ex-ministro vive nos Estado Unidos servindo com sua astúcia as empresas internacionais que ele mesmo tinha condenado como corruptas. Estes com seus inúmeros subservientes macularam a política, a ética, a justiça, digamos a ciência principalíssima. Por sua vez, colocaram o comando do Brasil na mão de incapazes de pensar e de agir como pede a ciência política, portanto, de pensar no bem comum do povo. A prova disso disto está em alta, o culto ao fascismo, as armas, a intolerância, ao ódio, as fake News e outras futilidades burguesas.

Infelizmente, essas personalidades de baixo clero e com seus grupos transformaram a política numa ambição exorbitante por poder da classe burguesa. Nessa realidade recorro a argúcia de Santo Tomás de Aquino que fez a sua escolha entre todas as ciências humanas: “a teologia é em relação a todas as outras ciências, a ciência principalíssima em termos absolutos”. Assim, fico com a teologia que não distorce a visão ou que diz as coisas de modo enviesado, mas de maneira ética orienta a vida pela a grande política de Deus, por conseguinte, aquela que liberta o ser humano de todas as injustiças e torna ético e coerente com o Evangelho. Acredito nesta ciência, a principalíssima, e naquelas que indicam que há ainda muito que fazer em presente contexto sociopolítico: conscientizar o povo brasileiro para que se liberte da “nova política”, que não passa um discurso fake que aumenta o jugo dos brasileiros (Eclesiástico 6,25-26).   

     

 

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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