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Um céu novo e nova terra

Miguel Debiasi

 

A modernidade espera em tudo e em todos evolução. Evoluir é o imperativo dos tempos modernos. Em contrário, estaremos na contramão da história e do espírito da modernidade. Para muitos evoluir é renovação. É inovação. É prosperar. Nunca estar atrás do outro, do concorrente. Todos de uma forma ou outra, estamos testados nessa dinâmica de mudanças por fazermos parte desta era. Então, acompanhar a evolução é um grande desafio de todo indivíduo para não ser engolido neste movimento como peça de consumo, mas ser entendido e valorizado como sujeito da história.

Quanto à definição de modernidade é muito complexa desde sua possível origem. Os continentes periféricos como a América-latina praticamente tiveram a percepção e o impacto da modernidade a partir da Revolução Francesa (1789-1799). Séculos antes no continente Europeu surgiram grandes debates filosóficos em torno de teorias e discussões sociológicas de projetos entre muitos pensadores. Estes debates e discussões de propostas e teorias econômicas,  políticas, religiosas se estenderam com força a outros continentes. No centro destas visões ideológicas, filosóficas, sociológicas está o homem. O homem passa a ser compreendido como um ser emancipado da tutela religiosa e de todas as amarras sociais, culturais e outras de cunho cristão. Vê-se o homem como fruto de suas lutas históricas. O condutor de sua história, capaz de autogerenciar seu projeto, seu tempo, suas livres escolhas.

Na época o movimento da modernidade provocava muitas interrogações, perguntas como estas: o que nos torna modernos? O que torna o ser humano emancipado da doutrina religiosa? Como respostas muitos teóricos apostaram tudo na força do mercado, na livre economia liberal, na educação secularizada e na liberdade de todas as tutelas religiosas. O percurso deste movimento moderno após dois séculos suscitou outros questionamentos: Porque a modernidade com sua proposta de ampla liberdade na religião, na economia, na política, na cultura e outras, não conseguiu livrar o homem, ou o sujeito moderno, de antigas tutelas, amarras que foram até abominadas por seus teóricos? O projeto moderno não se realizou em sua totalidade, somente o sujeito burguês goza deste privilégio, mesmo sendo responsável pelas Guerras Mundiais do século XX e pela grande desigualdade econômica e social que estampa o início do terceiro milênio. Junto a essa problemática diariamente presenciamos outros acontecimentos que ferem a ética e a dignidade humana.

O sociólogo e filósofo polonês, Zygmunt Bauman (1925-2017), descreveu a modernidade como algo “líquido”, em que tudo é movimento ou transitório e os projetos são temporários. As teorias modernas condutoras do homem não são sólidas e vazias de projetos duradouros, como anteriormente era a proposta da sociedade da cristandade. Vive-se uma espécie de modernidade líquida, fluida, desapegada de promessas ideológicas e o que preenche o prazer do homem emancipado é o consumismo exacerbado. As teorias de emancipação do homem não foram capazes de construir um projeto comum e humanístico sólido, tomou o caminho do consumo que estimula a frágil economia e a política social sem pensar nas consequências desta exacerbação consumista. As crises globais como à econômica mostram que fracassou a emancipação humana.

Nestes últimos cinco anos a indústria brasileira encolheu 22,5%. Com o enfraquecimento da indústria, o desemprego aumenta e a população fica cada vez mais pobre. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI) o recuo do faturamento industrial atingiu seu maior pico histórico. Esta realidade leva a nação para os imensos abismos sociais. Chegou o período em que é preciso questionar a política econômica implantada no Brasil nestes últimos anos, assegura a CNI. O cristão inserido e vitimado por essa realidade pergunta-se quando será possível no Brasil um céu novo e uma nova terra, como profetizava o Isaías (65,17; 66,22). Para o profeta Isaías “céu novo e nova terra”, era símbolo da renovação da esperança messiânica, o povo abraçar o projeto de Cristo (Mateus 19,28; 2Pd 3,13).

São Paulo acrescenta que o “céu novo e nova terra” assume a perspectiva realista quando toda criação, homens e mulheres, povos, nações serão libertados da servidão e das injustiças transformadas em sinal do Reino de Deus na terra. O Reino de Deus acontece pela expansão da justiça ao pobre, necessitado e a todas as criaturas e criação libertada do pecado social (Romanos 8,19ss). O “Céu novo e nova terra” não é uma construção econômica e política que causa mal-estar, mas por relações solidárias e fraternas entre todos, assim, as pessoas não serão trocadas por produtos de consumo e deixadas as  míseras condições materiais e humanas.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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