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Subsidio para 27º Domingo do Tempo Comum

por João Romanini

Subsídios Exegéticos - Liturgia dominical - ano B - 03 de outubro de 2021

Subsídios Exegéticos - Liturgia dominical - ano B

27º  Domingo do Tempo comum,  03 de outubro de 2021

Primeira Leitura: Gn 2,18-24

Salmo: 127,1-2.3.4-5.6

Segunda Leitura: Hb 2,9-11

Evangelho: Mc 10,2-16

           

O Evangelho

O texto pertence ao bloco de Marcos centrado na formação dos discípulos. O tema central é o divórcio. São três cenas: a pergunta dos fariseus e a resposta de Jesus (vv. 2-9); a pergunta dos discípulos e a resposta de Jesus (vv.  10-12); a bênção das crianças (vv. 13-16).

As duas primeiras cenas têm como pano de fundo a lei do divórcio, formulada em Dt 24,1-3: Se alguém se casa com uma mulher e não gosta dela, porque descobre nela algo vergonhoso, escreve-lhe a certidão de divórcio, dá-lhe e deixando-a sair de sua casa... Esta lei é formulada do ponto de vista masculino e a mulher é só um objeto. A dificuldade para interpretar e aplicar esta lei é que não está claro em que consiste o “algo vergonhoso”: é um problema moral ou um defeito físico?

Na literatura rabínica, a discussão é recheada com exemplos do que pode ser considerado “vergonhoso” e motivo para o homem de se divorciar. Na esfera pública: a mulher sai de sua casa com os cabelos soltos; bebe ou come algo na rua; se alimentou de algo cujo dízimo não foi pago; amamenta o filho na rua; cochicha com outras mulheres. No âmbito familiar: queima a comida; fala alto com o marido; não gerou filhos após dez anos de casada; tem mau hálito ou cheiro forte de suor... Várias outras circunstâncias justificam o divórcio que, com raras exceções, é sempre uma iniciativa do homem. Como já dissemos, o divórcio é um ponto polêmico na literatura rabínica, com opiniões que vão desde a mais rígidas até as mais brandas.

Esse conhecimento dos costumes da época é fundamental para entender o trecho do Evangelho de hoje. Na primeira cena (vv. 2-9), Jesus debate com os fariseus acerca do assunto. Os fariseus se aproximam e perguntam: É permitido ao marido repudiar a mulher? O evangelista diz que o interesse dos fariseus é colocar Jesus à prova. Eles não estão interessados em discutir o assunto, e sim colocar Jesus em um dilema: ele deve escolher entre a dignidade da mulher e a fidelidade à Lei de Moisés. No entendimento deles, para se manter fiel à Lei, Jesus deve declarar a superioridade e o domínio do homem sobre a mulher.

Jesus responde interpretando a própria Lei: Moisés escreveu esse mandamento por causa da vossa dureza de coração (v. 5). A palavra grega sklērokardía indica o coração humano dessensibilizado às instruções divinas como consequência de sua contínua desobediência. Essa mesma crítica já havia sido feita pelo profeta Ezequiel: Dei-lhes então estatutos que não eram bons e normas pelas quais não alcançariam a vida (Ez 20,25). Devemos recordar que, no mundo antigo, o coração não era a sede dos sentimentos, mas da inteligência, do entendimento. Então, “ter o coração duro” equivale a “ser incapaz de compreender e de aprender”. O coração duro é insensível e resiste a aceitar e entender o projeto de Deus. O coração duro é a mente obstinada que transforma a mulher em um objeto que pode ser comprado e, caso não agrade, devolvido ou descartado.

Jesus diz que o projeto de Deus é igualitário: e os dois se tornarão uma só carne (v. 8). Trata-se da união de duas pessoas que se completam e são destinadas uma à outra por Deus. A frase “uma só carne” indica que não há diferença entre ela e ele. Tal é o projeto amoroso de Deus que os criou na reciprocidade inseparável.

No v. 9 está a frase mais citada na doutrina da Igreja acerca do matrimônio: O que Deus uniu, o homem não separe. Mas é necessário lembrar que, quando o Evangelho de Marcos foi escrito, a prática sacramental da Igreja era muito diferente do que é hoje e não havia um “sacramento do matrimônio”. Na época, não havia nem mesmo um ritual para o casamento. É no período posterior a Jesus, aos apóstolos e à redação do NT que surgiu o sacramento do matrimônio para responder às necessidades práticas das comunidades cristãs.

Além da discussão da história dos sacramentos, é necessário perguntar: quando e como Deus une duas pessoas? É algo que acontece mecanicamente, no rito do casamento, com a forma canônica? Basta “casar na Igreja” para que Deus una os dois? Que dizer, então, de tantos casos de feminicídio, filicídio e parricídio, em famílias de pessoas que se casaram na Igreja. Não basta o juramento perante um ministro. É necessário reciprocidade, ternura e respeito! Em outras palavras, “Deus une”, não em um ato pontual e mágico, mas ao longo da vida. São necessários anos para se dizer que Deus uniu de tal modo duas pessoas que ninguém consegue quebrar essa relação.

A resposta de Jesus provocou assombro nos fariseus e também em seus discípulos. Na segunda cena do trecho (vv. 10-12), os discípulos questionam Jesus.  A eles, Jesus apresenta as conclusões práticas para quem se divorcia, tanto para o homem, quanto para a mulher.

A resposta de Jesus – Se ela repudia o marido e se casa com outro, comete adultério (v. 10) – tem como pano de fundo o fato de a Lei judaica facultar à mulher o direito de tomar a iniciativa do divórcio em alguns casos específicos, como, por exemplo, se o marido é curtidor e o cheiro dele torna insuportável conviver sob o mesmo teto. Mas pode ter também como referência a lei romana, que permitia à mulher maior liberdade para pedir o divórcio. Para os estudiosos que consideram a comunidade de Roma o berço do Evangelho de Marcos, é esta a realidade na qual se insere a igreja marcana e, a ela, é igualmente necessário responder.

Terceira cena – a bênção das crianças (vv. 13-16). Ela acontece na casa em que Jesus está com os discípulos. É uma cena do cotidiano que provoca a reação dos discípulos e um novo ensinamento de Jesus. Era comum levar crianças para serem abençoadas por figuras religiosas. Os discípulos querem impedir que isso aconteça. A cena está presente também em Mateus e Lucas, mas nenhum explica por que os discípulos têm uma reação tão negativa. A ideia é de que as crianças não são importantes. Jesus toma a atitude dos discípulos como ponto de partida para mais um ensinamento: pois o Reino de Deus é deste tipo de pessoas (v. 14).

A afirmação de Jesus é um tanto enigmática: Quem não acolher o Reino de Deus como criança, absolutamente não entrará nele (v. 15). A frase poder ser interpretada de dois modos: (a) o Reino de Deus deve ser acolhido como se acolhe uma criança; (b) para acolher o Reino de Deus devemos nos tornar semelhante a crianças. No primeiro caso, para entrar no Reino é necessário aceitar sempre a novidade e o que escapa aos esquemas pré-concebidos. No segundo, é necessário estar livre de qualquer preconceito e barreira. As duas possibilidades se assemelham: só poderá participar do Reino quem superar prejulgamentos, intolerâncias, fanatismos e opiniões estreitas e fechadas.

Ao abençoar as crianças (v. 16), Jesus demonstra que o Reino de Deus não é caracterizado pela rigidez de uma religião de medo, mas pela alegria, pela esperança e pela gratuidade.

Quanto à primeira leitura (Gn 2,18-24), cabe uma breve reflexão. No segundo relato da criação (Gn 2,7), não há nenhuma referência à ordem dada no primeiro relato (Gn 1,28: “sede fecundos e multiplicai-vos”). Em outras palavras, não se fala em procriação. O narrador foca na alegria que a mulher traz ao homem. Em Gn 2,7, Javé Deus age como um oleiro e cria o homem, modelando-o com a argila do solo. Mas o homem está só. Para criar a mulher, Javé Deus “muda de profissão” e age como um cirurgião: parte o homem em dois e, com um dos lados, cria a mulher. A palavra hebraica tzēlāh, normalmente traduzida como “costela”, na verdade significa “lado”. Javé Deus cortou um lado (= metade?) do homem e com ele fez a mulher. Entende-se por que “os dois serão uma só carne”: são dois pedaços que só formam um todo quando estão unidos.

A mulher é formada da mesma matéria e substância do homem: ela é companheira, parceira, cúmplice, igual. Ela não foi criada com o dedinho de um dos pés, porque Deus não a quer oprimida pelo homem. Também não foi criada com um fio de cabelo, porque Deus também não quer que ela submeta o homem. Deus a criou com o lado, para que um esteja sempre próximo ao coração do outro, para que ambos caminhem lado a lado e, juntos e unidos, deem sentido à vida um do outro e à toda a criação. Mulher e homem são um para o outro revelação do amor e da ternura de Deus. Só esta relação de amor e entrega permite vivenciar o mistério humano: a mulher é mistério de Deus para o homem, assim como ele é mistério de Deus para ela.

Isso tudo permite afirmar que, quando o homem nega à mulher a igualdade, a dignidade e o respeito, ele está negando a ação criadora de Deus. Discriminar a mulher e cometer violência sexista é cometer uma agressão a Deus criador.

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