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Palavras que

Gislaine Marins

Será que existem palavras supérfluas? Tenho dúvidas, embora perceba que inúmeras palavras merecedoras de parcimônia e cuidado são esbanjadas sem critério, ou com critérios discutíveis. Tenho dificuldade para abrir mão de adjetivos e advérbios, que os bons professores ensinam a evitar para que sejamos focalizados e diretos. Em tempos de pobreza relacional, desprezar um numeral parece um luxo e uma ofensa em relação aos tantos que deveriam ter direito a todas as palavras, a todas as argumentações e a todas as sínteses, sem generalizações cômodas e vantajosas. Antes uma interjeição em excesso do que um direito mal explicado.

Escrevo com tremor na ponta dos dedos, como se cada palavra fosse um caco de vidro. Sei que palavras podem ferir e ofender. Palavras fazem mais que isso: condenam, absolvem, destroem, chantageiam, iludem, enganam, esclarecem, perdoam, desesperam. Uma palavra mal escrita, mal transcrita ou intencionalmente inserida entre outras altera sentidos. Pode anteceder o gesto. Pode anunciar a tragédia. Pode ser o último elemento antes do ponto. O ponto final da vida.

Há três anos, o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina cometeu o gesto extremo. Quantas palavras foram necessárias para que ele chegasse a esse ponto? Quantas palavras foram escritas para que ele tomasse a decisão fatal? Qual foi a palavra letal?

Mas há outras perguntas que deveriam fazer tremer o corpo inteiro – e a alma – de quem tem a responsabilidade por palavras que podem mudar a vida de uma pessoa, de uma comunidade e de um país. Quais são as palavras que definem o confim da nossa dignidade? Quais são as palavras que servem ao bem-comum? Quais são as palavras que violam o princípio de justiça e abrem as portas do justicialismo? Quais são as palavras que relativizam o conceito de liberdade? Quais são as palavras que banalizam discussões? Quais são as palavras que naturalizam a barbárie? Quais são as palavras que rompem o pacto democrático?

Há perguntas que deveriam aquecer a alma do ser humano honesto. Quais são as palavras que alimentam a equidade entre os homens? Quais são as palavras que nutrem o respeito? Que palavras deveríamos usar para resgatar a gentileza? Quantas palavras servem para ouvir com atenção? Quais palavras deveriam ser memorizadas para nunca esquecer o valor da integridade? Com quais palavras se faz uma civilização? Quais palavras se usam para salvar um país?

Os sinais são claros: as palavras punitivas, copiadas, reiteradas, divulgadas, inventadas, convictas, indeterminadas foram usadas e produziram os seus efeitos. O que será daqueles que escolheram as palavras e delas se apropriaram com as consequências inerentes às opções que fizeram? Da resposta que será dada dependem o significado das palavras que mais prezamos e a esperança que ainda podemos depositar nas instituições do nosso país.

 

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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