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Coração, intestino e mente

Gislaine Marins

A escola está no centro do futuro. É para ela que se dirigem os melhores esforços a fim de construir um país mais humano e rico de saberes e fazeres.

Nessa escola deposito sonhos grandiosos: um futuro amoroso, sedento de compreensão, com escolas que estimulem a sensibilidade. Escolas conscientes do seu papel na compreensão integral do mundo. O conhecimento enciclopédico e manualístico é decorativo, exibicionista e limitado para entender os meandros da nossa percepção. É preciso ir ao coração e ao intestino das coisas: descobrir o sentimento do vermelho, o magnetismo das paisagens, a dor dos incêndios, a insensatez dos abismos. De outro modo, como se podem descrever metáforas e explorar o sentido dos caminhos perdidos?

É preciso atenção didática para as entranhas da fome. Aprender a química do pão-de-ló e a matemática da partilha e do direito à refeição. Não basta possuir cadeiras e bancos escolares, não basta ter professores e livros, um país que ousa incluir para crescer precisa alimentar para que as crianças aprendam, e produzir educação alimentar para que as crianças não esqueçam os custos e os infames lucros causados pela fome. A escola também precisa educar as crianças que não têm fome, para que elas entendam o significado da palavra dignidade, para que sejam melhores do que que os adultos egoístas que hoje ostentam meritocracia e ignoram o valor de esperançar as novas gerações. O que não se sente com o coração percebe-se nas tripas.

Decálogo da educação pelas entranhas:

Lutarás pela comida como pela poesia.

Não colocarás nenhum malabarismo teórico acima da realidade.

Escutarás os ruídos intestinos e aprenderás a distinguir o ronco da fome e a fome de saber.

Serás fiel à missão de acreditar no potencial de todos.

Ouvirás com atenção as queixas e os comentários e responderás com ponderação e equilíbrio aos arroubos passionais do coração e do intestino, que a mente custa a controlar.

Serás paciente como um agricultor e respeitado como um sábio que abre os canteiros da vida.

Serás generoso com os que precisam de escadas e convincente com os que precisam de horizontes empáticos.

Darás oportunidades para todos: comida, carinho, conhecimento; e o saber será uma colheita farta.

Amarás os conceitos e as ideias, fazendo de cada aula um mergulho no mundo do pensamento científico: experimentar aquilo que imaginamos e imaginar aquilo que experimentamos.

Colocarás as melhores energias em cada coisa que fizeres, porque, para haver educação, é necessário, antes de tudo, que as pessoas estejam no processo com todos os seus recursos, de maneira integral, e se entreguem sem reservas.

No entanto, não bastam decálogos e boas intenções. Sonho um horizonte comum com pessoas que se sintam parte do mesmo projeto de crescimento humano. É urgente alimentar o nosso patrimônio de saberes históricos, dos horrores econômicos que formaram a nossa nação, destruindo povos indígenas, escravizando negros, invisibilizando os pobres e reduzindo pessoas a peças (como eram tratados os escravos durante o período colonial), e a mão-de-obra e recursos humanos como são tratadas até hoje. É preciso descobrir o significado literal e a origem das palavras. Falar e escrever bem para pensar bem. Pensar bem para imaginar novos caminhos, menos desiguais do que aqueles que tivemos até hoje.

É preciso uma escola de formação e não de seleção dos melhores. É necessário que os programas sejam formulados para recuperar o tempo e não para travar a caminhada. É preciso avaliar para analisar o processo, para corrigir o percurso e para seguir em frente, porque a vida não para quando um estudante perde um ano escolar. É preciso dizer que a nota revela a qualidade de um trabalho realizado e não as capacidades individuais dos alunos. É preciso que as notas sejam dadas a todos: aos alunos por aquilo que fizeram, ao Estado pelos instrumentos que forneceu, aos professores pela média alcançada entre os seus alunos. Esse será o índice de qualidade de uma escola que forma e não exclui, que se olha e é vista como corpo social essencial para o futuro.

Sonho um país com maior igualdade, por isso sonho uma escola que ousa, acredita, forma e não esquece que todos têm coração, intestino e mente para elaborar e digerir as experiências, as dificuldades e os desafios que precisamos vencer. Temos tudo para superar os nossos obstáculos e não devemos conter a coragem necessária para realizar os nossos sonhos. Mais do que tudo: não temos outra alternativa. Se o nosso destino é sobreviver a todos os problemas que enfrentamos, que seja para realizar aquilo em que realmente acreditamos. Afinal, a energia para viver mal e para viver bem é a mesma: só nos cabe fazer a melhor escolha.

Sobre o autor

Gislaine Marins

Doutora em Letras, tradutora, professora e mãe. Autora de verbetes para o Pequeno Dicionário de Literatura do Rio Grande do Sul (Ed. Novo Século) e para o Dicionário de Figuras e Mitos Literários das Américas (Editora da Universidade/Tomo Editorial). É autora do blog Palavras Debulhadas, dedicado à divulgação da língua portuguesa.

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