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A perigosa teologia do domínio

Miguel Debiasi

A perigosa teologia do domínio (I)

“Temos uma estratégia de conquista, trata-se do exercício de influência a partir dos chamados Sete Montes: política, economia, arte e entretenimento, mídia, família, religião e educação”, JB Carvalho, bispo da Comunidade das Nações. A afirmação do bispo apresenta o perigoso projeto de submeter o Estado à religião cristã, através da teologia do domínio.

Refletiremos sobre a teologia do domínio com dois artigos. Neste primeiro trazemos algumas informações da Igreja e do Cristianismo quando passou a ser a religião oficial do Império Romano, que permite-nos aprofundar o estudo da teologia do domínio. Obviamente, com suas diferenças, entre a política de Constantino e as pretensões dos adeptos da teologia do domínio.  

Por mais de trezentos anos, o Cristianismo sobreviveu e se expandiu pelo sangue derramado de inúmeros mártires cristãos. Ao longo do quarto século, a Igreja e o Cristianismo se expandiram com a participação de personalidades políticas, que contribuíram de forma positiva e negativa, como da política do Imperador Constantino. O astuto Constantino percebeu que apesar das perseguições e martírios, os cristãos continuavam a crescer e se fortalecer na opinião pública, em prol da política do Império que tornou o Cristianismo a religião oficial do Estado Romano.

Constantino I, o Grande, foi o Imperador Romano do ano 306 a 337 d. C., viveu boa parte de sua infância e juventude na corte do Imperador Diocleciano e cresceu em meio à guerra civil, invasões bárbaras e o colapso social de Roma. Enquanto lutava nas campanhas de Britânia (Grã-Bretanha), com apenas dezoito anos, foi aclamado sucessor do Imperador Constâncio. Título que não foi reconhecido em Roma e Constantino teve que empreender lutas com Maximiano e seu filho Maxêncio, que reivindicavam o posto de Imperador do Ocidente.

A batalha de Constantino contra Maxêncio, em 312, na Ponte Mílvia, no Rio Tibre, foi decisiva para a sua decisão em favor do Cristianismo. Conforme o historiador e pai da história da Igreja, o bispo de Cesareia, Eusébio de Cesareia (265-339 d.C.), Constantino “viu com os próprios olhos o troféu de uma cruz de luz nos céus, acima do sol, e tendo a inscrição COM ISTO VENCERÁS”. A partir da visão, Constantino ordenou que seu exército usasse a cruz como novo estandarte nas batalhas. A cruz que representava o aparelho de execução romano, agora torna-se sinal de que Constantino deveria colocar sua fé em Jesus Cristo.  

Em 313, Constantino e Licínio, Imperador do Oriente entre 308-324 d.C., proclamaram o Édito de Milão, garantindo a liberdade religiosa universal para pagãos, cristãos e judeus. Embora tenha concordado com o Édito de Milão, Licínio percebeu que a influência do Cristianismo reforçava o poder de Constantino, diminuindo o seu, e passou a expulsar os cristãos dos serviços públicos. Em razão disso, Constantino declarou guerra contra Licínio e ao derrotá-lo tornou-se o único governante do Império. Assim, manifestou o interesse imperial pela Igreja, restaurou suas propriedades, concedeu-lhe dinheiro, interveio nas controvérsias teológicas e convocou os Concílios da Igreja de Arles (314) e de Niceia (325).

A política religiosa de Constantino vai mais longe, ao unificar a religião do Império considerava seu mandato divino. Em defesa dessa ideia em 320, desencadeia uma política de perseguição aos judeus e aos pagãos, estes últimos formavam a maioria do Império e passaram a ser considerados como uma ameaça ao poder imperial, agora cristão. Constantino não forçou a conversão pagã, buscou outro caminho, criou um calendário comum a todo o Império, eliminando diferenças regionais, diversidades teológicas e interferindo em datas e assuntos teológicos, ainda não fixados pela Igreja, como da Páscoa e da natureza de Jesus ser Deus. As diferenças religiosas eram impedimentos ao poder e governo, uma escolha religiosa diferente da estabelecida pela Igreja cristã e por ele, passou a ser considerada traição, crime.

Após o Édito de Milão (313), a Igreja Católica obteve grandes vantagens sobre as demais religiões. A Igreja recebeu propriedades de volta, dinheiro, auxílio financeiro e apoio político do governo romano. O próprio sistema de impostos romanos passou a beneficiar a Igreja e as propriedades cristãs. Em prol da unificação do Império, eliminou os espetáculos de gladiadores, no Coliseu romanos, proibiu que condenados fossem jogados às feras, extinguiu a crucificação, infanticídio, escravismo, práticas de adivinhações e previsões. E, estabeleceu datas para guarda religiosa condizente com os propósitos religiosos do Império Romano.

Com essas medidas Constantino garantiu a liberdade religiosa aos cristãos e propiciou favores para a Igreja e para o povo, deixando o Cristianismo em posição de prestígio no Império. Seus sucessores também se constituíram patronos do Cristianismo, sustentando-o, interferindo e exercendo autoridade sobre os trabalhos e doutrinas da Igreja. Ainda que tenha ocorrido um aumento significativo do número de cristãos, os benefícios da política de Constantino são duvidosos. Pelo favorecimento entraram para o Cristianismo pessoas sem conhecimento a respeito da religião que gerou mudanças significativas na doutrina da Igreja, a introdução de ideias pagãs na religião e na moral, tornando as pessoas cristãs só de nome.

Esse recorte histórico permite-nos discorrer sobre a teologia do domínio, projeto religioso que pretende conquistar o Estado e submetê-lo à religião cristã, plano mais perverso da política do Império Romano. A teologia do domínio oriunda dos Estados Unidos da América (EUA), que surgiu nos anos de 1970 de movimentos religiosos ultraconservadores, buscando consolidar o nacionalismo cristão, tem forte impacto sobre a sociedade local, como a brasileira.

A teologia do domínio parte da ideia que os cristãos perderam o domínio sobre a humanidade e sobre os valores religiosos e morais. Portanto, será preciso reconstruir o mundo com base nos valores cristãos, definidos de Sete Montes que são: Família, Religião, Educação, Mídia, Lazer, Negócios e Governo. Na conquista desses valores Jesus Cristo retorna para o mundo.

Por trás da teologia do domínio está a estratégica política evangélica, especialmente de algumas igrejas neopentecostais mais conservadoras. Estratégia política presente no discurso, em personalidades e em campanhas políticas, pelos quais, abusa-se do nome Deus. Este movimento cristão precisa ser estudado seriamente, por isso, oferecemos um outro artigo para melhor compreendermos as pretensões da teologia do domínio.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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