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O deboche com a justiça

Miguel Debiasi

O Evangelho de Marcos narra uma cena com sua intenção pouco comum para o nosso tempo histórico de concepção materialista. Um homem rico correndo ajoelhou-se aos pés de Jesus e o interroga: “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna” (Marcos 10,17)? Como herdar a vida eterna é uma pergunta que dá sentido pleno a existência humana. A vida eterna deveria ser uma questão importante a todo ser humano. Razões para esta pergunta e por essa preocupação não faltam em nosso tempo.

Jesus que caminha rumo a Jerusalém lugar da condenação de cruz acompanhado dos discípulos, responde à pergunta do homem ajoelhado, dizendo que “só Deus é bom, e mais ninguém”. É dessa maneira que Jesus apresenta Deus de “bom” e mais ninguém (Marcos 10,18). Ao apresentar Deus como bom, Jesus indica o caminho para ganhar a vida: “tu conheces os mandamentos:  não matarás; não cometas adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe” (Marcos 10,19). A palavra “não” está empregada no presente do futuro que indica a vida posteriormente a fala. Nesse caso, o termo “não”, está empregado como orientação a ser vivida pelo suplicante.

Ao abordar o tema da vida eterna o evangelista Marcos tem sua forma peculiar de confrontar essa preocupação com o problema da riqueza e do apego demasiado ao dinheiro. Marcos nos leva a devida consideração a respeito dessa realidade pelo homem suplicante e fiel a lei que responde a Jesus: “Mestre, tudo isso, tenho observado desde a minha juventude” (Marcos 10,20). Cheio de amor, Jesus diz ao suplicante: “só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Marcos 10, 21). O homem retornou tristonho porque tinha muita riqueza. A mensagem está clara, não basta observar somente os mandamentos, para ganhar a vida eterna é preciso ajudar aos necessitados. A solidariedade torna perfeita a vida temporal do homem que busca ganhar a vida eterna, ensina Jesus.

O questionamento pela vida eterna é de fundamental importância porque vivemos sob a era do hedonismo, do tempo do prazer realizado nas coisas materiais. O termo hedonismo do grego hedonikos significa prazeroso ou do hedon traduzido por prazer. Na filosofia, a ideia de hedonismo teve sua origem nos cirenaicos, fundada por Aristipo de Cirene (435 a. C.), o primeiro dos discípulos do filósofo Sócrates (470-399 a. C.). O filósofo contemporâneo John Rawls (1921-2002), autor da obra uma teoria da justiça, apresenta o hedonismo na concepção grega como um método de escolha e interpretado em duas formas: como afirmação de que o único bem intrínseco é o sentimento prazeroso, ou como a tese psicológica de que as únicas coisas pelas quais os indivíduos lutam é o prazer.

Entretanto, John Rawls interpreta o hedonismo sob uma terceira forma ou modo: ou seja, com um objetivo dominante de uma escolha racional. Em toda escolha racional há um objetivo dominante. O homem ajoelhado aos pés do Jesus fez sua escolha racional, renunciou o plano da vida eterna, porque tinha um prazer dominante, o da riqueza. O prazer no sentido de hedonismo grego é estritamente um sentimento agradável. John Rawls acrescenta que no sentimento da sensação agradável, há um objetivo dominante intrínseco a coisa que gera prazer, no qual se deposita nossos juízos. Logo, em todo prazer há uma dominação, uma submissão.

O Tribunal de Contas da União em parceira com o Ministério Público Federal abriu processo para apurar a suspeita de fraudes em negócios feitos por uma empresa do ministro da economia, Paulo Guedes. O processo apura a captação de R$ 1 bilhão de forma fraudulenta com os fundos de pensões estatais. A investigação suspeita que as transações econômicas ilegais de Paulo Guedes estejam associadas as empresas de paraíso fiscal, recentemente descobertas. Caso as suspeitas sejam comprovadas, o ministro da economia estaria usando o cargo público para seus próprios investimentos. Ademais, se houver a confirmação das suspeitas não cairia como novidade ou supressa para o povo brasileiro.  

O primeiro dever das instituições públicas é executar a justiça. É isto que determina a Constituição Federal de 1988. A única razão para aceitar a Constituição é que a justiça seja feita, como de combater o uso de cargos públicos para enriquecimento pessoais ilícitos. Pela gravidade da suspeita seria um deboche com a justiça e com a função de ministro do Estado, se as denúncias contra Paulo Guedes não forem apuradas e esclarecidas para a opinião pública. Pois, os justos que praticarem a caridade e a solidariedade herdarão a vida eterna (Mateus 25,46; Salmo 37,29). Assim, acredita o cristão.

Sobre o autor

Miguel Debiasi

Frade da Província dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul. Mestre em Filosofia (Universidade do Vale dos Sinos – São Leopoldo/RS). Mestre em Teologia (Pontifícia Universidade Católica do RS - PUC/RS). Doutor em Teologia (Faculdades EST – São Leopoldo/RS).

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