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A destruição para além do físico

por Marco Aurélio Santana

Incêndio do Museu Nacional pode impactar na forma como narramos o passado e como produziremos conhecimento no futuro

Foto: Divulgação

​O incêndio que destruiu o Museu Nacional/UFRJ na noite de domingo, dia 2, levou consigo muito mais do que um prédio histórico que abrigou a família real.

Aliás, desde quando se transformou em Museu Nacional, a instituição fazia questão de se apresentar como um espaço de produção e exposição de ciência.

Quem visitasse esperando um trono real de D. João VI sairia desolado. Poucas referências à presença dos imperiais apareciam em seus corredores. Ainda assim, indiretamente os antigos moradores estavam presentes na exposição.

A cadeira real do antigo imperador do Brasil não estava ali, mas outro trono tinha destaque no acervo. Era do rei Adandozan, do reino de Daomé (atual Benin), na África, e que foi dado em 1811 para Dom João VI como uma prova da boa relação que o reino português – recém fugido para o Brasil – queria manter com este povo.

Uma peça que contribuiu nas relações diplomáticas que consolidaram na trágica história escravista do país.

Muito perto deste trono também havia um manto real. Novamente, não era da família portuguesa. Era um presente, cheio de plumas, do rei Tamehameha II, das ilhas Sandwich (atual Havaí) ao imperador D. Pedro I.

A possível perda destes itens configura um vazio no entendimento de uma relação entre o Brasil e povos estrangeiros que até hoje não é tão exposta ao grande público. Em um museu com uma entrada de R$ 3, ela se tornava mais difundida.

As tão comentadas exposições de Grécia, Roma e Egito também tiveram seu surgimento atrelado às aquisições da família real. D. Pedro, por exemplo, comprava múmias de mercadores para sua coleção particular.

Seu filho, D. Pedro II, chegou a fazer expedições ao Egito para comprar mais. Dentre as adquiridas, existe uma cujo processo de mumificação é bastante raro: cada parte do corpo é enrolada de forma que se possa identificar dedos, braços e pernas.

Somente outras seis no mundo obedecem a esta lógica. Uma peça cuja preservação é de interesse mundial e que atravessou milhares de anos.

Já a imperatriz Teresa Cristina contribuiu com a exposição de Grécia e Roma ao ter expostos os vasos etruscos que tinha comprado. São peças que detalhavam hábitos cotidianos de povos da península de Itálica de uma época anterior ao nascimento de Jesus Cristo. Ao contrário do que muito foi escutado na cobertura do incêndio, o acervo do Museu Nacional transcende os seus 200 anos.

A exposição era muito mais do que as peças adquiridas pela família real. Aquele prédio também era uma instituição de produção de conhecimento. Estavam ali os fósseis de Luzia, a mais antiga moradora de nossas terras e que mudou a percepção sobre o deslocamento da humanidade da África até a América.

É também o museu que fez importantes descobertas paleontológicas e se transformou em um dos principais centros de estudo na América Latina. São dezenas de pesquisadores que perdem completamente suas pesquisas. O prédio, tombado como patrimônio público, poderá ser reerguido. Não será como antes, infelizmente.

Ainda assim, irrecuperáveis serão as peças e pesquisas que, porventura, forem destruídas. Surgirão lacunas na já tão complicada forma como narramos e lidamos com o nosso passado e um atraso cientifico que impedirá a produção de conhecimentos futuros.

Os valores pagos pela União para o total de despesas do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, caíram mais de dez vezes de 2011 a 2018, conforme estudo da ONG Contas Abertas - feito a partir de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do Governo Federal.

Naquele ano, foram pagos R$ 1.053.467,88, o maior valor desde 2001. Até 31 de agosto (sexta-feira passada), foram pagos R$ 98.115,34. Desse valor, R$ 17,8 mil foram gastos com “investimentos” e R$ 80,2 mil com “outras despesas correntes”.

Conforme detalhamento do Siafi, nenhum real foi gasto este ano com aquisição de “equipamento de proteção segurança e socorro”; “material de proteção e segurança”; “material elétrico e eletrônico”; “material para manutenção de bens imóveis/instalações”; ou “seguros em geral” para o museu que pegou fogo no domingo (2) à noite. 

Para a museóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), Andrea Considera, o incêndio do Museu Nacional “ilustra e perpassa todas histórias de museus e instituições sociais no Brasil”. Para ela, “a questão não é a falta de recursos, dinheiro sempre existe, mas a prioridade da sociedade”.

No ano passado, o governo federal gastou R$ 643,5 mil com o Museu Nacional. O valor é quase um milhão a menos do que foi gasto pela União (R$ 1,607 milhão) com veículos - incluindo ambulâncias, carros de combate e despesas com pagamento de pedágios e IPVA.

O governo federal anunciou mobilização para recuperar o Museu Nacional, mas a museóloga Andrea Considera questiona: “Reconstruir o prédio para qual acervo? Que coleções guardaremos lá dentro?”.

Questionada sobre os recursos destinados ao Museu Nacional, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, apontou que o orçamento da universidade aumentou 15% nominalmente entre 2015 e 2017. “Temos que fazer discussão tanto sobre alocação, prioridades, mas também discussão sobre possíveis espaços para que tenhamos boas parcerias com setor privado para poder fazer a guarda desse patrimônio que é tão valoroso para todos os brasileiros”, afirmou, durante Congresso de Mercado de Capitais, na capital paulista.

O “Plano 200 anos do Museu Nacional/1818-2018”, apresentado em novembro de 2016, pela direção do museu à Reitoria da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ) previa o patrocínio de R$ 2,3 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para “instalação efetiva do Sistema de Segurança contra incêndio e pânico”.

 

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