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Apesar de ação contrária ao decreto, justiça mantém regras flexíveis em Veranópolis

por Ana Júlia Griguol
Foto: Divulgação

Após o Município de Veranópolis validar o Decreto Executivo n° 6.673, que adere um modelo intermediário de distanciamento, no final da tarde de sexta-feira (31), o Ministério Público entrou na justiça com uma ação civil para invalidar o referido documento e, garantir que seja cumprido o protocolo determinado pelo Governo do Estado. 

Por sua vez, a Comarca de Veranópolis, não acatou o pedido de suspensão e, a partir de uma liminar, manteve em vigor o decreto emitido pelo município, o qual garante uma maior flexibilização nos setores do comércio, alimentação, alojamento, educação e serviços. 

O Modelo criado pelos prefeitos da Associação dos Municípios da Encosta Superior Nordeste (AMESNE), é intermediário entre as medidas adotadas na bandeira vermelha e laranja. Tal decisão foi tomada mesmo sem a autorização do Governador Eduardo Leite e, por isso, a motivação do Ministério Público em defender o regime de bandeiras adotado pelo Estado. 

O Ministério Público, deve apresentar, ainda neste sábado (01), recurso para anular a decisão tomada pela justiça de Veranópolis. 


Confira abaixo, na íntegra, o despacho emitido pelo Juiz Antônio Pereira Rosa, da Comarca de Veranópolis. 

AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL Nº 5000791-81.2020.8.21.0078/RS

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

RÉU: MUNICÍPIO DE VERANÓPOLIS

DESPACHO/DECISÃO

1.- Presentes os requisitos legais [art. 319, CPC, e art. 19 da Lei nº 7.34785], recebo a inicial.

2.- Trata de ação civil pública movida pelo Ministério Público em face do Município de Veranópolis, em síntese, buscando a suspensão e/ou a anulação do Decreto Municipal nº 6.673/2020, de 31/07/2020, pois em contrariedade aos Decretos Estaduais nºs 55.240/20 e 55.383/20, do Estado do Rio Grande do Sul, que estabelecem o Sistema de Distanciamento Controlado. A inicial expõe os fundamentos fáticos e jurídicos, com pedido de tutela de urgência. Juntados documentos. 

3.- Pedido de tutela de urgência.

A tutela provisória de urgência depende da presença dos requisitos do art. 300 do Código de Processo Civil:

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

Com a finalidade de introduzir o tema, houve a edição do Decreto Estadual do RS n. 55.128, de 19/03/2020, declarando estado de calamidade pública em todo o território do Estado do Rio Grande do Sul, por conta do COVID-19; do Decreto Municipal de Veranópolis n. 6.568, de 20/03/2020, complementando medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo COVID-19. 

Posteriormente outros decretos foram editados, pelo Estado do RS e pelo Município de Veranópolis, até que definido pela governança estadual o Sistema de Distanciamento Controlado, método centralizador do gerenciamento da crise pandêmica, e ao qual deve se reconhecer mérito.

Consta expressamente do Decreto Estadual regra que sugere imposição normativa ao ente municipal, ao prever que fica suspensa a eficácia de determinações locais que conflitem com as normas estabelecidas em âmbito estadual, respeitada a atribuição municipal para dispor sobre medidas sanitárias de interesse exclusivamente local e de caráter supletivo.

No caso concreto, pretende o Ministério Público declaração judicial de que o Decreto Municipal nº 6.673/2020, hoje editado, é nulo pois mais flexível do que as regras estaduais superiores.

A análise do aparente conflito deve ter como ponto de partida a Constituição Federal de 1988 [CF/88], a saber, no que importa:

"Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...)

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; (...)

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:(...)

XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; (...)

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.(...)

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; (....)"

O art. 23 disciplina a competência administrativa. O art. 24 a competência legislativa. E o art. 30, competência e atribuições tipicamente municipais.

Com respeito a entendimento diverso, a competência legislativa constitucionalmente definida diz respeito a lei formal e material submetida ao regular processo de formação, competência do Poder Legislativo. Quero dizer, na essência, os arts. 24 e 30, inciso II, da CF/88, não têm, ou não deveriam ter, afinidade com atos legislativos editados pelo Poder Executivo [decretos].

É dizer, o poder supletivo limitado que se pretende sirva de impedimento ao gestor municipal deveria vigorar em matéria de edição de lei stricto sensu, não de decreto autônomo do Executivo.

Não desconheço vertente de que o poder supletivo limitado aplica-se ao conceito de lei lato sensu - incluiria, então, decretos -, mas com ela tenho discordância sistêmica, ainda que em período de ineditismo pelo qual estamos passando, a quase tudo justificar.

Segundo ponto, cuidar da saúde, em todos os seus aspectos e formas, foi escolha do legislador constitucional atribuir legitimidade às três esferas, União, Estados e Municípios, de forma concorrente e comum, de modo que não vejo como direito líquido e certo sufocar a autonomia local, desde que ela seja exercida com critério, com responsabilidade, com olhar voltado à preservação da vida e da saúde das pessoas, mas sem descuidar de outros direitos e liberdades, ainda que de diferente status. 

Sem menosprezo à consistência de alguns precedentes citados na inicial, e na mesma linha estão os argumentos e fundamentos detalhadamente escritos pelo autor desta ação, teve-se a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida pelo Ministro MARCO AURÉLIO, em 24/03/2020, na Medida Cautelar na Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 6341, como um case sobre a matéria, e do corpo da decisão extraia-se:

"Não se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito Federal e Município considerada a competência concorrente na forma do artigo 23, inciso II, da Lei Maior. Também não vinga o articulado quanto à reserva de lei complementar. Descabe a óptica no sentido de o tema somente poder ser objeto de abordagem e disciplina mediante lei de envergadura maior. Presentes urgência e necessidade de ter-se disciplina geral de abrangência nacional, há de concluir-se que, a tempo e modo, atuou o Presidente da República (...) ao editar a Medida Provisória. O que nela se contém – repita-se à exaustão – não afasta a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e Municípios.

(...) há de ser reconhecido, simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº 926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº 9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios." - grifei

O Tribunal [STF] referendou, em 15/04/2020 e por maioria, essa decisão cautelar.

O grifo aposto na transcrição acima é para ressaltar a preservação da legitimidade de cada ente federativo reconhecida pela nossa Corte Constitucional, em respeito à escolha republicana brasileira de Federação [ união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, art. 1º da CF/88].

A competência administrativa concorrente não deve ser subjulgada pela competência legislativa e seus preceitos gerais, regionais ou supletivos. 

Outro ângulo: como estamos a tratar de saúde, convém valorizar iniciativas locais responsáveis e baseadas em critérios científicos e claros, até como forma de dar concretude à descentralização preconizada no art. 198, inciso I, da CF/88 ["art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo"].

Por esses motivos, pelo menos neste juízo inicial, não me convenço de que o decreto municipal carece de critérios técnicos e de cautela, antes pelo contrário, contém a exposição de motivos, dados e levantamentos quantitativos, vincula-se a protocolos específicos de aplicação regional, anuncia unanimidade de propósitos dos representantes dos municípios que compõe a AMESNE, e nos seus artigos e anexos detalha razoáveis medidas sanitárias e de controle, a minimizar riscos e, ao mesmo tempo, garantir o desempenho limitado de determinados segmentos e atividades.

Um dado que é possível extrair das regras de experiência vivida nesses últimos meses, no âmbito local-municipal, é a ausência de foco de proliferação ou de contágio desde o desempenho de algumas das atividades listadas no decreto questionado, o que leva a crer que a flexibilização controlada e criteriosamente prevista não potencializará os riscos para além daqueles que todos, ou muitos, de uma forma ou de outra, estão submetidos.

Ainda que não tenha sido levado a termo, é fato público a inicitiva do Governo do Estado do Rio Grande do Sul em buscar alternativas que preservem e reconheçam a autonomia municipal [talvez justamente por enxergar um certo esgotamento do modelo hoje adotado], descentralizando, em alguma medida, a gestão de uma crise grave, complexa, policêntrica, e que, justo por isso, exige alternativas, desde que baseadas em critérios cientifícios, claros e responsáveis, como o decreto editado prenuncia zelar.

Atento à natureza sensível e indisponível da questão, que trata do direito a vida, não vejo violação ao princípio da precaução, certo de que a controlada flexibilização terá de ser compartilhada em termos de propósito, responsabilidade, controle e fiscalização, por toda a coletividade, e em especial pelos estabelecimentos em tese favorecidos, sob pena de recrudescimento da proposição e anulação do decreto, que poderá ser levada a efeito a qualquer momento, diante de um mínimo sinal de aumento do risco e/ou da disseminação do contágio pelo coronavírus.

Concluindo, não vendo manifesta ilegalidade ou inconstitucionalidade no Decreto Municipal nº 6.673/2020, indefiro o pedido de tutela de urgência.

4.- Cite-se/intime-se a parte requerida do prazo de defesa, devendo alegar/observar, querendo, as questões tratadas nos arts. 336, 337 e 341, do CPC.

Intime-se a parte autora.

Com urgência.

5.- Arguida algumas das questões arroladas no art. 337, CPC, e/ou juntados documentos, intime-se o autor.

6.- Após, retorne para saneamento do processo.

 

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